Britânico de 81 anos, que outrora se recusou a pintar retrato de
Elizabeth 2ª, cria obra para Westminster com iPad
David Hockney e seu recém-inaugurado vitral na abadia de Westminster, em Londres |
Era uma
manhã chuvosa de setembro. David Hockney estava sentado na sala de sua casa em
Londres, iluminada por uma claraboia, baforando um cigarro. Sua arte decorava
as paredes: autorretratos emoldurados, desenhos ternos mostrando seus cachorros
e uma grande fotografia em cores brilhantes.
Encostada a
uma parede havia uma imagem em tamanho pôster da mais recente criação do
artista: um vitral para a abadia de Westminster, criada para celebrar o 63º
aniversário do reinado de Elizabeth 2ª.
Medindo 8,5 por 3,6 metros,
o ‘Vitral da Rainha’, inaugurado na terça-feira (2), representa um espinheiro florescendo em uma profusão
de vermelhos, azuis, verdes e amarelos. ‘O espinheiro é comemorativo: como se
champanhe tivesse sido derramado por sobre a planta’, disse Hockney, 81.
O pintor
disse que o projeto do vitral tomou por base uma imagem que ele inicialmente
criou em um iPad. Hockney usou novas tecnologias de forma extensa em sua
carreira, e exibiu peças criadas com o uso de iPhones e câmeras Polaroid ao
lado de suas pinturas, em alguns dos mais importantes museus do planeta.
Sua
retrospectiva 2017-2018, que foi
realizada na galeria Tate Britain em Londres, no Pompidou, em Paris, e no
Metropolitan de Nova York, foi um grande sucesso, e os preços de suas obras
dispararam. ‘Retrato de um Artista (Piscina com Duas Figuras)’, de 1972, quadro
que será leiloado pela Christie’s em novembro, tem preço estimado em US$ 80
milhões (cerca de R$ 309 milhões). Se a previsão for cumprida, isso faria de
Hockney o artista vivo de mais alto preço no planeta.
Dias mais
tarde, postado abaixo do vitral de Hockney em Westminster, o reverendo John
Hall, decano da igreja, disse que havia procurado o pintor por ele ser ‘o mais
célebre artista vivo’, e por seu período de fama coincidir com o reinado de
Elizabeth 2ª. Ele definiu o vitral como ‘absolutamente vibrante’. Ele
contrastou o novo vitral com uma peça do século 19 na janela ao lado, representando os milagres de
Cristo, ‘escura a ponto de ser quase ilegível’.
Helen
Whitaker, a especialista em vitrais que comandou a equipe encarregada de montar
a peça, disse que o único elemento pintado pessoalmente por Hockney havia sido
a assinatura. (O pedaço de vidro usado para isso foi enviado de avião a Los
Angeles, onde Hockney vive.)
‘Ficamos
muito gratos por ele estar colocando nossa profissão no mapa, já que os vitrais
sempre foram vistos como os primos pobres do mundo da arte’, disse Whitaker.
Vitrais
podem parecer antiquados para um artista contemporâneo requisitado. Mas ‘a peça
se relaciona muito bem com todos os trabalhos que ele vem fazendo em iPads e
iPhones’, disse o crítico de arte Martin Gayford, que escreveu livros sobre
Hockney. ‘Quando ele começou a trabalhar com o iPhone, em 2009, comparou o
aparelho a um vitral, porque a imagem na tela é iluminada; assim, existe um
vínculo formal bem firme’.
Hockney é um
dos muitos artistas modernos e contemporâneos que dedicaram atenção aos
vitrais. Com a destruição de muitas igrejas na Europa pela guerra —só na
França, 2.000 delas foram reconstruídas entre 1950 e 1965—, muitos pintores
receberam encomendas de vitrais.
Exemplos
conhecidos são os desenhos de Matisse para a capela do Rosário em Vence,
França; os vitrais de Chagal para igrejas na Inglaterra, França e Alemanha; e
os quadrados abstratos de Gerhard Richter para a catedral de Colônia, na
Alemanha.
Os vitrais ‘são
essencialmente uma mídia arquitetônica, e a relação deles com a edificação em
que estão é crucial’, disse Brian Clarke, artista britânico que criou vitrais
para projetos de arquitetos como Zaha Hadid, Norman Foster e I.M. Pei.
Hockney não
é um homem muito devoto. Ainda que sua mãe fosse ‘cristã fervorosa’, deixou de
ir à igreja metodista aos 16 anos porque ‘percebi que todas as pessoas que iam
à igreja não eram lá tão boas; eram hipócritas’. Hoje, diz ter sua forma
pessoal de fé. ‘Costumava acreditar que estava a caminho do esquecimento, e
ainda acredito nisso’.
Como igreja,
a abadia de Westminster não poderia estar conectada de forma mais íntima à
monarquia britânica. Trinto e oito monarcas do país foram coroados lá, e 17
deles estão ali enterrados.
Hockney não
pareceria uma escolha automática para criar a peça. No passado considerado como
o bad boy da arte britânica, ele vive há quase cinco décadas em Los Angeles, e
em 1990 recusou ser sagrado cavaleiro, embora não se posicione como adversário
da monarquia. Mais tarde, quando foi convidado a pintar um retrato da rainha,
ele recusou, igualmente.
O vitral na
abadia não é uma tentativa de estabelecer um legado, disse Hockney. ‘Tudo vira
pó, um dia. Mesmo a abadia de Westminster’.
Fonte: Farah
Nayeri, The New York Times | Tradução de Paulo Migliacci, FSP
(JA, Out18)
Nenhum comentário:
Postar um comentário