quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Duas das três telas de Rafael em exposição paulistana têm autoria contestada


Em vez delas, destaque de mostra do mestre renascentista são as gravuras da Biblioteca Nacional

Uma mostra de Rafael sem Rafael. Aberta nesta semana, em São Paulo, ‘Rafael e a Definição da Beleza – Da Divina Proporção à Graça’ reúne obras do ateliê do mestre renascentista, bem como de seus discípulos e contemporâneos.
Mas no montante de 94 peças da mostra no Centro Cultural Fiesp, que inclui pinturas, gravuras, livros, tapeçarias e objetos, há apenas três telas que teriam sido feitas por Rafael —e, destas, duas têm a autoria contestada.



‘Virgem com Menino (Madonna Hertz)’, produzida entre 1517 e 1518, e que retrata uma modelo semelhante à Fornarina, amante de Rafael, foi durante muito tempo atribuída ao pintor e escultor Giulio Romano, um dos principais assistentes do artista de Urbino.
Só a partir dos anos 1990 o crédito da tela voltou ao expoente renascentista —a autoria foi conferida primeiramente pelo estudioso alemão Konrad Oberhuber, sendo ratificada mais tarde por outros teóricos.

Já ‘Testa di Madonna (La Perla)’, de 1518, era considerada uma cópia, e teve sua autoria reavaliada a partir de uma restauração pela qual passou em 2010, após ser encontrada no porão de um museu italiano.
A pequena tela, que retrata a cabeça de uma mulher, teria sido um esboço feito por Rafael para uma pintura maior da Sagrada Família. A tela grande, conhecida como ‘La Perla’, foi concluída por um de seus discípulos mais próximos, Giulio Romano, após a morte do mestre.
Resta ‘Madonna com Bambino’. Embora não tenha sua autoria questionada, o quadro da segunda década do século 16 teve muitas versões, das quais a considerada original está na Galeria Nacional da Escócia.
A versão em exibição na Fiesp foi provavelmente pintada por Gianfrancesco Penni, herdeiro do ateliê de Rafael.
Quem busca ver um original inconteste pode encontrá-lo a poucos metros dali, no Masp. O museu da Paulista exibe ‘Ressurreição de Cristo’, óleo do final do século 15, junto a outras obras do seu acervo permanente.
Na ausência do convidado principal, a grande estrela de ‘Rafael e a Definição da Beleza’ vem, na verdade, do Brasil.
É um conjunto de mais de 50 gravuras do ateliê de Rafael pertencentes ao acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
A coleção, que chega a São Paulo pela primeira vez, foi descoberta em 2011 pela curadora Elisa Byington, enquanto ela organizava uma exposição sobre o historiador de arte Giorgio Vasari para a instituição carioca.


Um dos destaques deste recorte é ‘O Massacre dos Inocentes’, desenho feito pelo mestre italiano especialmente para ser gravado —e uma das primeiras gravuras a saírem de seu ateliê, em 1509. A obra aparece disposta ao lado de seus três estudos preparatórios.


Junto a ‘Julgamento de Páris’ e ‘A Morte de Lucrécia’, também expostas, é um exemplo da destreza técnica de Marcantonio Raimondi, que viria a se estabelecer como um dos principais reprodutores da obra de Rafael.
Segundo Byington, que também organizou a mostra na Fiesp, a descoberta desta coleção ‘quase desconhecida’ nos arquivos da Biblioteca Nacional foi o pontapé inicial para a exposição recém-inaugurada.
‘’É importante que a gente saiba dos acervos que temos no país para lutar pela preservação deles, ainda mais neste cenário em que um museu acaba de pegar fogo’, diz.
Novidades durante o Renascimento, as gravuras de arte serviam como forma de difusão da obra de um artista entre seus pares, colecionadores e mecenas. De acordo com a curadora, 50 assistentes trabalhavam no ateliê de Rafael, atuando sob o controle do editor Baviera de Carroccio, que conservava as matrizes e controlava o número de reproduções.
As gravuras oferecem ao visitante um curioso testamento do processo criativo do pintor, que fazia questão de afirmar sua autoria. Os trabalhos eram marcados com a inscrição ‘Raphael Invenit’ (invenção de Rafael), para distingui-lo dos gravadores.

Exposição ‘Rafael e a Definição da Beleza – Da Divina Proporção à Graça’
Galeria de Arte do Centro Cultural Fiesp – Av. Paulista, 1313
De ter. a sáb., das 10hs às 22h, e dom., 10h às 20h
Até 16/12



Texto: João Perassolo   |   FSP

(JA, Set18)

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