Instituto Moreira Salles, que guarda acervo e arquivo do
desenhista, mostra 500 originais
Primeira
retrospectiva dedicada aos desenhos do humorista, dramaturgo e tradutor carioca
Millôr Fernandes, 1923-2012, a exposição
que o Instituto Moreira Salles (IMS) aberta no último dia 18, reúne 500 dos
mais de 6 mil originais sob a guarda da entidade desde 2013. A mostra, ‘Millôr:
Obra Gráfica’, que tem como curadores Cássio Loredano, Julia Kovensky e Paulo
Roberto Pires, destaca os principais temas abordados por Millôr em 70 anos de
produção, sendo o marco zero a coluna Pif-Paf, publicada na revista O Cruzeiro,
entre 1945 e 1963.
A exposição
foi organizada levando em conta esses temas recorrentes na obra de Millôr.
Assim, os curadores a dividiram em cinco núcleos: os desenhos autor
referenciais, o processo embrionário do humorista, que começou escrevendo o
texto ilustrado por Péricles em Pif-Paf, sua visão do Brasil com todas as suas
contradições (nos núcleos Brasil e Condição Humana) e as obras essencialmente
visuais, que não têm o propósito de servir de comentário político, como era
comum no trabalho de Millôr.
Crítico.
No desenho, Millôr comenta a luta de classes no Brasil
Cássio
Loredano, apontando para um desenho na exposição que mostra Millôr assistindo
ao nascer de um novo dia, chama a atenção para os elementos que confirmam essa
irresistível vocação cabotina: Millôr é o próprio sol, o pão de cada dia, ‘o
alimento e a luz’ que oferece ao leitor. ‘Ele era mesmo vaidoso, sabia qual era
seu tamanho’, define Cássio, comentando a sofisticação do seu traço e sua
inteligência visual. Seu desenho, de fato, exige um espectador erudito, capaz
de identificar citações a Mondrian, Picasso, Pollock, Steinberg e ao brasileiro
Willys de Castro – uma série de quatro desenhos na mostra evoca o esquema dos
objetos ativos do artista neoconcreto.
A ambição
intelectual de Millôr não se restringiu às artes visuais – ele foi dramaturgo e
tradutor de autores como Shakespeare e Fassbinder. O outro curador da mostra,
Paulo Roberto Pires, lembra que o desenhista lutou contra as adversidades de
uma vida marcada pela ‘infância dura’ no subúrbio carioca do Méier.
Basicamente, foi um autodidata com uma breve passagem pelo Liceu de Artes e
Ofícios. Trabalhando na revista O Cruzeiro como contínuo, aos 14 anos,
aproveitou a convivência com jornalistas e veio a se tornar uma referência no
meio. Ganhou autonomia nos 18 anos em que escreveu a coluna Pif-Paf, publicando
sem censura (até 1963) sob o pseudônimo Vão Gogo, clara alusão ao gênio
holandês da pintura Vincent Van Gogh.
Entre as
peças preciosas da mostra está a reprodução de um pedido de desculpas dos
editores de O Cruzeiro a leitores furiosos com uma sátira de 12 páginas da
história bíblica da criação do mundo feita por Millôr em 1963. Indignado, ele
transformou a Pif-Paf numa revista independente justamente às vésperas do golpe
militar de 1964. Desnecessário dizer que durou pouco. O resto da história é
mais ou menos conhecido. Millôr foi um dos humoristas mais censurados durante a
ditadura – e há vários exemplos na exposição de ilustrações proibidas de
circular pelo regime, riscadas com um enérgico ‘x’ dos censores.
Interdito. O paraíso de Millôr foi abjurado pela direção de 'O Cruzeiro' |
Todo esse
material, conta a coordenadora da área de iconografia do IMS, Julia Kovensky,
só está hoje disponível ao grande público porque Millôr, ao morrer, vítima das
consequências de um acidente vascular cerebral, deixou como legado 94 volumes
que reúnem material publicado em jornais como O Estado e revistas como O
Cruzeiro e Veja.
Entre os 500
desenhos expostos no IMS, evidentemente os políticos, inspirados pelos absurdos
do regime militar, se destacam, embora as obras mais autônomas, que dispensam
uma narrativa, sejam as que definem a excelência do traço de Millôr.
Fonte: Antônio
Gonçalves Filho | OESP
(JA, Set18)
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