Pesquisa
identificou personagens históricos e simbologia de disputas políticas em quadro
de Aurélio de Figueiredo
Aurélio de Figueiredo, 1856-1916 -^- 'Compromisso Constitucional' |
Em um contexto em que a
Constituição brasileira volta ao centro das discussões políticas, o ato de
jurar obediência à Carta Magna ganha nova simbologia com os 130 anos da
Proclamação da República.
A era republicana, que se
inicia em 1889 com marechal Deodoro da Fonseca como presidente
promulgado, se consolida quando ele é eleito indiretamente em 1891 pelos
parlamentares da Assembleia Constituinte. Os legisladores também formulam a
primeira Constituição do novo regime.
É a Constituição de 1891 que está
acima do novo presidente e à qual ele precisa jurar obediência —sua
interpretação não deve mudar conforme os anseios do momento.
A cena, a primeira do tipo,
foi registrada em ‘Compromisso Constitucional’, um icônico óleo sobre tela, de 3,30m de altura
por 2,57m de largura, pintada pelo republicano e abolicionista Aurélio de
Figueiredo, 1856-1916. O artista também pintou ‘O Último Baile da Ilha
Fiscal’, que retrata o evento luxuoso às vésperas da derrubada do Império.
‘A obra tem um simbolismo
muito forte. Está representado ali o início da República, é quando a República
está sendo constituída no Brasil, quando o presidente jura obediência à
Constituição. Isso tem uma importância extraordinária’, explica Mário Chagas,
diretor do Museu da República, no Rio de Janeiro, onde a pintura fica exposta.
A tela leva o mesmo nome da
cerimônia que se repete a cada novo mandato presidencial desde então. ‘Compromisso
Constitucional’ foi pintado cinco anos depois da Proclamação para ornar a nova
sede do governo e deixar registrado o momento para a posteridade.
O novo regime precisava de
novos discursos, incluindo obras de arte.
Com o fim do Império, o
governo passou para o Palácio de Nova Friburgo, chamado mais tarde Palácio do
Catete e atual Museu da República, no Rio.
A cena de 1891, porém,
assim como a Assembleia Constituinte, ocorreu no Palácio de São Cristóvão,
atualmente Museu Nacional, destruído em incêndio em 2018.
Mais de um século depois de
sua elaboração, a pintura do paraibano Aurélio de Figueiredo segue exercendo
fascínio porque está repleta de símbolos a serem decifrados.
As percepções do artista
foram colocadas sutilmente em detalhes que vão desde a figura do taquígrafo,
que olha para fora da tela em direção a quem observa o desenho, passando pela
posição das flores, até a altura em que estão desenhadas as figuras históricas.
‘É sintomático que o artista
pinte as flores em frente ao Floriano Peixoto e não ao Deodoro da Fonseca. Eles
disputaram o poder entre si. De modo delicado, este conflito está colocado na
tela’, diz Chagas, que também é professor de museologia na Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
Foram duas votações
separadas, para presidente e vice. Tanto Deodoro da Fonseca (fig. 2) como
Floriano Peixoto (fig. 4) disputaram a Presidência. Fonseca recebeu 129 votos e
Peixoto, apenas 3. Porém, para vice, Peixoto foi escolhido com 153 votos,
contra os 57 do almirante Eduardo Wandenkolk (fig. 26), o
preferido de Fonseca.
As flores, segundo o
pesquisador, são camélias e significam tanto o abolicionismo como o republicanismo.
Elas também aparecem em frente ao taquígrafo Caetano da Silva (fig. 23). ‘Ele
olha para fora do quadro, como quem olha para o futuro. O taquígrafo é quem
registra a memória para o porvir’, explica o diretor.
Os personagens históricos
formam um círculo no quadro. É simbólico, entretanto, que a figura de mais
destaque ali não seja Deodoro da Fonseca, mas Prudente de Moraes (fig. 1). Ele
está posicionado acima dos demais.
Moraes era o presidente da
Assembleia Constituinte, ou seja, conduziu os trabalhos de elaboração da
Constituição republicana.
‘Podemos observar um jogo de
poder. Moraes presidiu a Assembleia, mas, mais do que isso, foi eleito o
primeiro presidente civil do Brasil na eleição direta, de 1894. É para
monumentalizar a cena na nova sede do seu governo que a pintura foi encomendada’,
explica Chagas.
Desde a década de 1990 que o
pesquisador investiga a pintura, dando sequência para um trabalho iniciado pela
professora Gilda Lopes.
Em trabalho publicado em 2018, Chagas
identificou o próprio pintor (fig. 29) em um autorretrato —ele não estava
presente na sessão—, suas filhas e esposa (fig.
36, 37, 38 e 39). As mulheres, vale lembrar, foram excluídas do
direito ao voto pela Constituinte, mas estão presentes na pintura.
O irmão do artista e seu professor,
Pedro Américo (fig. 30), um dos principais artistas do período imperial e
deputado constituinte pela Paraíba, foi desenhado ao seu lado. A pintura tem um
único negro, o abolicionista e deputado de São Paulo, Francisco Glicério de
Cerqueira Leite (fig.34).
O livro que Deodoro da
Fonseca segura, com a capa verde escura, é a Constituição de 1891, cujo
original é parte do acervo do Museu da República.
O pesquisador chama a atenção
para o fato de que todos os votos que elegeram o presidente indiretamente
cabiam em uma urna do tipo papeleira, que também está no museu. Hoje, compara,
são milhões de votos processados em urna eletrônica.
Além disso, o Legislativo
agora é mais diversificado do que o registrado na pintura. ‘Se fosse hoje,
teria mais negros, mulheres, homossexuais. Esse círculo teria outra
representação’, diz Chagas.
‘Último Baile da Ilha Fiscal’, 1905 |
A tela ‘O Último Baile da
Ilha Fiscal’ é uma representação da última festa realizada no palácio da Ilha
Fiscal, no Rio de Janeiro, no dia 9 de novembro de 1889. Mais do que um retrato da festa, o trabalho de
Figueiredo é uma alegoria da transição do império para a república.
Figueiredo pintando o Último baile da ilha Fiscal |
Aurélio de Figueiredo
pintando ‘O Último Baile da Ilha Fiscal’. Ele está em pé, e segura instrumentos
de pintura. Atrás dele, um quadro traz homens e mulheres bem vestidos.
Fonte: Paula Sperb
| FSP
(JA, Nov19)
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