terça-feira, 12 de novembro de 2019

Constituição da República




Pesquisa identificou personagens históricos e simbologia de disputas políticas em quadro de Aurélio de Figueiredo


Aurélio de Figueiredo, 1856-1916  -^-  'Compromisso Constitucional'

Em um contexto em que a Constituição brasileira volta ao centro das discussões políticas, o ato de jurar obediência à Carta Magna ganha nova simbologia com os 130 anos da Proclamação da República.

A era republicana, que se inicia em 1889 com marechal Deodoro da Fonseca como presidente promulgado, se consolida quando ele é eleito indiretamente em 1891 pelos parlamentares da Assembleia Constituinte. Os legisladores também formulam a primeira Constituição do novo regime.

É a Constituição de 1891 que está acima do novo presidente e à qual ele precisa jurar obediência —sua interpretação não deve mudar conforme os anseios do momento.

A cena, a primeira do tipo, foi registrada em ‘Compromisso Constitucional’, um icônico óleo sobre tela, de 3,30m de altura por 2,57m de largura, pintada pelo republicano e abolicionista Aurélio de Figueiredo, 1856-1916. O artista também pintou ‘O Último Baile da Ilha Fiscal’, que retrata o evento luxuoso às vésperas da derrubada do Império.

‘A obra tem um simbolismo muito forte. Está representado ali o início da República, é quando a República está sendo constituída no Brasil, quando o presidente jura obediência à Constituição. Isso tem uma importância extraordinária’, explica Mário Chagas, diretor do Museu da República, no Rio de Janeiro, onde a pintura fica exposta.

A tela leva o mesmo nome da cerimônia que se repete a cada novo mandato presidencial desde então. ‘Compromisso Constitucional’ foi pintado cinco anos depois da Proclamação para ornar a nova sede do governo e deixar registrado o momento para a posteridade.

O novo regime precisava de novos discursos, incluindo obras de arte.
Com o fim do Império, o governo passou para o Palácio de Nova Friburgo, chamado mais tarde Palácio do Catete e atual Museu da República, no Rio.

A cena de 1891, porém, assim como a Assembleia Constituinte, ocorreu no Palácio de São Cristóvão, atualmente Museu Nacional, destruído em incêndio em 2018.
Mais de um século depois de sua elaboração, a pintura do paraibano Aurélio de Figueiredo segue exercendo fascínio porque está repleta de símbolos a serem decifrados.



As percepções do artista foram colocadas sutilmente em detalhes que vão desde a figura do taquígrafo, que olha para fora da tela em direção a quem observa o desenho, passando pela posição das flores, até a altura em que estão desenhadas as figuras históricas.

‘É sintomático que o artista pinte as flores em frente ao Floriano Peixoto e não ao Deodoro da Fonseca. Eles disputaram o poder entre si. De modo delicado, este conflito está colocado na tela’, diz Chagas, que também é professor de museologia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).

Foram duas votações separadas, para presidente e vice. Tanto Deodoro da Fonseca (fig. 2) como Floriano Peixoto (fig. 4) disputaram a Presidência. Fonseca recebeu 129 votos e Peixoto, apenas 3. Porém, para vice, Peixoto foi escolhido com 153 votos, contra os 57 do almirante Eduardo Wandenkolk (fig. 26), o preferido de Fonseca.

As flores, segundo o pesquisador, são camélias e significam tanto o abolicionismo como o republicanismo. Elas também aparecem em frente ao taquígrafo Caetano da Silva (fig. 23). ‘Ele olha para fora do quadro, como quem olha para o futuro. O taquígrafo é quem registra a memória para o porvir’, explica o diretor.

Os personagens históricos formam um círculo no quadro. É simbólico, entretanto, que a figura de mais destaque ali não seja Deodoro da Fonseca, mas Prudente de Moraes (fig. 1). Ele está posicionado acima dos demais.

Moraes era o presidente da Assembleia Constituinte, ou seja, conduziu os trabalhos de elaboração da Constituição republicana.

‘Podemos observar um jogo de poder. Moraes presidiu a Assembleia, mas, mais do que isso, foi eleito o primeiro presidente civil do Brasil na eleição direta, de 1894. É para monumentalizar a cena na nova sede do seu governo que a pintura foi encomendada’, explica Chagas.

Desde a década de 1990 que o pesquisador investiga a pintura, dando sequência para um trabalho iniciado pela professora Gilda Lopes.

Em trabalho publicado em 2018, Chagas identificou o próprio pintor (fig. 29) em um autorretrato —ele não estava presente na sessão—, suas filhas e esposa (fig. 36, 37, 38 e 39).  As mulheres, vale lembrar, foram excluídas do direito ao voto pela Constituinte, mas estão presentes na pintura.

O irmão do artista e seu professor, Pedro Américo (fig. 30), um dos principais artistas do período imperial e deputado constituinte pela Paraíba, foi desenhado ao seu lado. A pintura tem um único negro, o abolicionista e deputado de São Paulo, Francisco Glicério de Cerqueira Leite (fig.34).

O livro que Deodoro da Fonseca segura, com a capa verde escura, é a Constituição de 1891, cujo original é parte do acervo do Museu da República.

O pesquisador chama a atenção para o fato de que todos os votos que elegeram o presidente indiretamente cabiam em uma urna do tipo papeleira, que também está no museu. Hoje, compara, são milhões de votos processados em urna eletrônica.

Além disso, o Legislativo agora é mais diversificado do que o registrado na pintura. ‘Se fosse hoje, teria mais negros, mulheres, homossexuais. Esse círculo teria outra representação’, diz Chagas.


‘Último Baile da Ilha Fiscal’, 1905


A tela ‘O Último Baile da Ilha Fiscal’ é uma representação da última festa realizada no palácio da Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro, no dia 9 de novembro de 1889. Mais do que um retrato da festa, o trabalho de Figueiredo é uma alegoria da transição do império para a república.


Figueiredo pintando o Último baile da ilha Fiscal


Aurélio de Figueiredo pintando ‘O Último Baile da Ilha Fiscal’. Ele está em pé, e segura instrumentos de pintura. Atrás dele, um quadro traz homens e mulheres bem vestidos.



Fonte: Paula Sperb  |  FSP




(JA, Nov19)



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