Morto nesta segunda (9), fotógrafo foi responsável por 'The Americans', que será sempre lembrada como uma obra-prima
O fotógrafo Robert Frank
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Robert Frank, cujo trabalho
mais importante, ‘The Americans’, um dos retratos mais dilacerantes dos Estados
Unidos, não era americano; era suíço. Sua obra será sempre lembrada como uma
obra-prima da fotografia.
O fotógrafo, no entanto, não
escolheu os EUA ou a Suíça para passar os últimos anos de sua vida.
Foi na província de Nova Escócia, no Canadá, que morreu nesta segunda-feira (9), aos 94 anos.
A simplicidade com que vivia
numa comunidade rural de 1.300 habitantes difere pouco do contexto que moldou a
jornada de Frank, dirigindo um Ford usado pelos EUA, na década de 1950.
Naquela época, o país vivia
com intensidade a ideia de uma América heroica, pós-Segunda Guerra Mundial e
ainda embalada pelo otimismo do sonho americano de filmes e programas de TV.
'Trolleybus, New Orleans', fotografia da série 'The Americans' |
Frank derrubou tudo. Com
acidez, escancarou com imagens em preto e branco —publicadas pela primeira vez
na França em 1958 e no ano seguinte, nos EUA— o lado trágico da bonança
econômica, carregado de desilusões e paradoxos, como a violência da segregação
racial nos estados do sul.
Ao mesmo tempo em que
observava as contradições do país ao qual chegara quando tinha 23 anos,
afastado pelo que chamou de ‘valores mesquinhos’ da Suíça, o fotógrafo também
reuniu uma espécie de alfabeto visual americano.
Em ‘The Americans’, sobram
bandeiras nacionais, jukeboxes, cartolas e carros. Mas esses elementos,
desenvolvidos posteriormente em cor por William Eggleston e Stephen Shore, o
que releva a influência de Frank ao longo dos anos, ainda estão num nível
abaixo das sensações que o suíço imprimiu nas imagens do livro.
Robert Frank nasceu em 1924 em Zurique,
na Suíça. Em 1946 criou seu primeiro livro de imagens, intitulado ‘40 fotos’.
No ano seguinte emigrou para
os Estados Unidos, onde colaborou como fotógrafo em revistas como Harper’s
Bazaar, Life, Look e Vogue.
Exposição Robert Frank, abertura, do Instituto Moreira Salles, Av. Paulista |
Em 1948 viajou
pelas Américas Central e do Sul, percorrendo extensivamente o Peru, dos Andes à
Amazônia, incluindo uma rápida incursão a Manaus no início de outubro daquele
ano. Algumas das imagens dessa sua única visita ao Brasil, foram apresentadas
na exposição do Instituo Moreira Salles, em dezembro de 2017.
Em 1949 editou e
produziu um pequeno livro de autor sobre o Peru, material que seria publicado
ao longo da década de 1950 por Robert Delpire, que viria a ser o primeiro editor
da série ‘Os americanos’, publicada na França em 1958 sob o título ‘Les Américains’,
contendo excertos de textos de vários autores sobre os EUA.
Rodeo, fotografia de 1954, NY-EUA |
Em 1959 o livro foi
publicado nos EUA pela Grove Press. A edição americana trazia apenas um
texto introdutório de Jack Kerouac, que estabelece plena sinergia com o
espírito buscado por Frank em seu projeto original. Dessa primeira edição
americana, revisada e reeditada por Frank em 2008 com seu editor, Gerhard
Steidl, resulta a edição brasileira do livro ‘Os americanos’, lançado pelo IMS
conjuntamente com a exposição, em 2017.
A ideia de uma narrativa em
que as imagens falam por si, sem a necessidade de textos de apoio, influenciou
gerações. Não é difícil encontrar nomes importantes, como Alec Soth, que
veneram o trabalho de Frank.
Ainda que o gênero da road
trip tenha se estabelecido nos EUA bem antes da publicação dos americanos de
Frank, é ‘The Americans’, ao lado de ‘American Photographs’, de Walker Evans,
grande influência do suíço, a maior das referências dentro da fotografia.
Também é injusto limitá-lo em
uma só área uma vez que sua produção cinematográfica é muito relevante.
Os muitos curtas, médias e
longas-metragens, entre eles ‘Pull My Daisy’, baseado em texto de Jack Kerouac
—que escreveu o prefácio da versão americana de ‘The Americans’—, colocam-na em
pé de igualdade com sua obra fotográfica.
Em 1972, viajou com
os Rolling Stones para documentá-los, num registro que excedia as apresentações
musicais. Os abusos de drogas, as brigas entre fãs e a presença de groupies
fizeram a banda censurar as filmagens.
Descartar o que produziu
talvez fosse uma novidade para Frank à época, mas se transformou num modus
operandi ao final de sua carreira.
Da parceria que consolidou
com o alemão Gerhard Steidl, mítico impressor de livros, com quem publicou mais
de três dezenas de títulos, veio a mostra em que expôs séries de fotografias impressas
em banners pendurados diretamente na parede, sem molduras, como se fossem
livros desconstruídos.
Ao final da exposição, Frank
pedia que o material fosse destruído e descartado. Afirmava, assim, conforme
texto do Instituto Moreira Salles, que exibiu a mostra no Brasil, ‘a percepção
do artista de que sua obra sobrevive plenamente na forma democrática e
acessível dos livros de autor e dos filmes que produziu’.
Frank teve dois filhos.
Andrea morreu aos 20 anos, em 1974, em um acidente de avião. Pablo se suicidou em 1994. Ele deixa
a mulher, June Leaf, com quem foi casado desde 1975.
A faceta autobiográfica está
impressa em ‘The Lines of My Hand’, no qual ele juntou imagens feitas antes e
depois de ‘The Americans’, incluindo viagens a Peru, França, Espanha e Reino
Unido, além de registros de sua família.
Pelas linhas de sua mão,
Frank deixará as marcas de um artista que desafiou a visão falsamente otimista
de um país que explodia por dentro. Um retrato pouco diferente do que há hoje.
Frank foi o estrangeiro que
compreendeu a América.
Fonte: Daigo Oliva,
FSP | IMS
(JA, Set19)
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