Em entrevistas, artista criticou governo
brasileiro por incêndios ocorridos nas últimas semanas
'Elegancia y Renuncia', de 2011, na exposição de Daniel Steegmann Mangrané em Milão |
O convite para protagonizar
uma exposição em Milão foi feito com um ano de antecedência, mas na véspera da
abertura, na segunda semana de setembro, Daniel Steegmann Mangrané viu o
interesse pela sua mostra se confundir com o noticiário internacional.
Espanhol radicado há 15 anos no Rio
de Janeiro, Mangrané tem um trabalho marcado pela representação da natureza,
especialmente da mata atlântica, o que bastou para A sua individual ser
amplificada pelas queimadas na Amazônia e o modo com que o governo brasileiro
conduz a questão ambiental.
O artista de 42 anos não se
esquivou. Questionado por uma jornalista italiana sobre a floresta que aparecia
em chamas na mídia da Europa, ele respondeu o que parece ter sido repetido
várias vezes naqueles dias.
‘O que está
acontecendo na Amazônia é basicamente um crime contra a humanidade, porque as
consequências vão muito além do Brasil, é uma crise global’, disse. ‘Estou certo
de que o governo do Brasil é criminoso e que está tentando acabar com a
Amazônia, para dá-la ao agronegócio’.
‘A Transparent Leaf Instead of the Mouth’ |
Sua mostra na Itália está em
cartaz até 19 de janeiro no Pirelli HangarBicocca, um dos espaços
de arte contemporânea mais consistentes de Milão, por onde passaram Philippe
Parreno, Damián Ortega e Cildo Meireles.
Disposta pelos 1.400 m² de uma
sala dedicada a artistas em meio de carreira, a exposição é uma retrospectiva
com 22
trabalhos feitos desde 1998, em diferentes formatos.
Lá dentro, a espessura dos
temas do noticiário se desfaz e é substituída por uma realidade bem menos
palpável, seja pelo caráter sublime de cada obra, seja pelo projeto expositivo
que ocupa o espaço retangular sem paredes, concebido pelo próprio artista.
Com a intenção de suavizar o
passado do edifício, construído no começo do século 20 para uma
fábrica de peças para trens e máquinas, Mangrané abriu portas e janelas para
que a luz natural entrasse.
‘A ideia é receber o
espectador e o seu corpo de uma maneira mais gentil, mais confortável, e também
poder brincar com a escala. Esse espaço está ocupado por alguns trabalhos bem
pequenos que te obrigam a olhar de perto, o que faz você se esquecer de onde
está’, explica.
Isso acontece com ‘Lichtzwang’,
série iniciada em 1998 e até hoje em andamento. O conjunto de 256 aquarelas
sobre pequenas folhas de caderno (21 cm x
15 cm), é a primeira obra do percurso.
Ao encará-las e acompanhar
sua evolução horizontalmente, o visitante aciona uma espécie de animação,
resultado que varia de acordo com a disposição de cada um para girar a cabeça,
acelerar ou diminuir o passo. ‘Há uma dança fenomenológica do corpo ao traçar
essa linha de desenhos’.
O interesse pela exposição
como meio, e por obras de arte que se completam com a interação do visitante,
vem de influências que o artista recebeu da arte brasileira dos anos 1960 e 1970,
especialmente de Hélio Oiticica e Lygia Clark.
‘Eles entendiam essa questão
sensorial do espectador como uma entrada democrática ao trabalho, algo que
dispensa um conhecimento prévio para se ter uma experiência física. Essa é uma
ideia que sempre me fascinou e que me levou a ir morar no Brasil’, conta
Mangrané, que nasceu e cresceu em Barcelona. Foi lá, na Fundação Tàpies, que
conheceu a produção de Oiticica e Clark.
A formação como artista foi a
segunda escolha de Mangrané, que durante a adolescência flertou com a ideia de
ser biólogo. Vem daí a presença da natureza em seus trabalhos, intensificada
após sua ida ao Rio, em 2004.
Atraído pela floresta
amazônica e a mata atlântica, usou plantas, folhas, galhos e insetos para
desenvolver hologramas, vídeos e instalações, todos presentes na mostra em
Milão.
Um dos destaques é o
ecossistema compreendido em uma estrutura de metal e vidro, com vegetação
típica da região local e insetos vivos como bichos-paus e outros fasmídeos que
se confundem com as formas das folhas.
Em ‘Phantom’, obra observada
em ambiente de realidade virtual, gera no visitante desconfiança —o que se mexe
ou não, o que é natural ou artificial, o que é concreto ou percepção.
‘No trabalho de Daniel, a
ideia de ecossistema é fundamental. Ele mostra que tudo está interligado, tudo
depende de tudo, e se você destrói ou move um elemento, isso pode realmente
afetar o resto’, diz Fiammetta Griccioli, cocuradora da exposição.
E é com esse pensamento que
Mangrané recebe a entrada dos temas do noticiário na esfera artística, e
finaliza:
‘A Amazônia
é uma questão importante a ser discutida, e a arte é uma arena de discussão.
Temos que mudar nosso paradigma para que se reconheça que tudo está
inter-relacionado’.
Fonte: Michele Oliveira
| FSP
(JA, Set19)
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