Expoente do art nouveau, tcheco é famoso
pelas gravuras de mulheres emolduradas por flores e arabescos
'As Estações' - O Verão', 1896, parte da série de quatro painéis decorativos |
Se a menção seca a Alfons
Mucha (pronuncia-se ‘murra’) talvez não baste para provocar o estalo mental no
leitor, as imagens que acompanham este texto têm tudo para servir de gatilho e
fazê-lo “ligar o nome à pessoa”.
O artista tcheco se aventurou
na pintura, na escultura, na fotografia e na cenografia. Mas foi com suas
gravuras habitadas por mulheres que parecem ninfas envoltas em motivos florais
e arabescos tão ondulantes quanto sensuais que se tornou o patrono do estilo art nouveau, no fim do século 19.
Cartaz de 1898 para montagem tragédia Medeia, protagonizada por Sarah Bernhardt |
Os meandros do ‘toque Mucha’,
decantado em pôsteres para as peças da atriz Sarah Bernhardt, 1844-1923 e em
rótulos e embalagens para espumantes, sabonetes, biscoitos e cigarros, estão em
destaque, a partir desta quarta (18), em exposição no Centro Cultural Fiesp.
A mostra reúne mais de cem
obras emprestadas pela Fundação Mucha, sediada em Praga, e constitui a amostra
mais expressiva do trabalho do artista a passar pelo Brasil.
A curadora Tomoko Sato
destaca a dupla habilidade do artista, capaz de conjugar experimentações
formais ao longo de toda a carreira (‘e isso antes das vanguardas modernas’,
diz) com a compreensão do que era preciso para atender ao gosto popular —e,
assim, turbinar seu cacife.
‘Ele tinha consciência da
importância da repetição, dessas variações sutis sobre um mesmo tema que
fazem o público associar uma obra a um
artista’, diz Sato.
‘Além disso, sua produção é
linear. As pessoas gostam daquilo que entendem. Foi assim que Mucha se tornou
uma das primeiras celebridades do meio artístico.
Para a curadora, o gravurista
manejou conceitos como sedução, surpresa e choque com a argúcia de um ‘pai da
propaganda moderna’.
Recrutado às pressas pelo
entourage de Bernhardt em 1894, ele atingiria o ápice de sua notoriedade ao fim
do contrato de seis anos com a atriz, que cobria a criação de cenários,
figurinos e cartazes para as montagens dela.
Cartaz publicitário filtro de cigarro, 1896 |
Quando assinou a cenografia
do pavilhão bósnio na Exposição Universal de Paris de 1900, suas musas
longilíneas, de cabeleira longa emolduradas por mosaicos já eram copiadas mundo
afora.
Na França, contribuíram para
a projeção de Mucha o aperfeiçoamento das técnicas de impressão e uma
eslavofilia que respondia ao poderio do Império Alemão.
A influência do ‘estilo Mucha’
foi se diluindo ao longo das décadas, sobretudo por causa do fascínio gerado
pelas vanguardas modernistas do começo do século 20.
‘O art nouveau e sua
vocação decorativa eram considerados anacrônicos, frívolos’, explica Sato. Até
que uma retrospectiva do tcheco em 1963, em Londres, coincidiu com um ‘espírito do tempo’
sombrio.
O noticiário girava em torno
de Guerra Fria, conflito no Vietnã, assassinato do presidente John F.
Kennedy... E as cores e curvas de Mucha prometiam um bálsamo, alguma sorte de
unguento para as incertezas do mundo.
Sua iconografia foi então
reabilitada pelo movimento psicodélico —sobretudo o braço britânico deste—, inspirando
pôsteres para Pink Floyd e Rolling Stones.
No fim do século 20, a
exuberância das gravuras da fase mais conhecida do tcheco ressurge como
inspiração para quadrinhos da Marvel, mangás japoneses e manhwas sul-coreanos.
Alguns desses ecos na seara das HQs integram a exposição agora em cartaz no
Brasil.
O público de São Paulo também
verá que, apesar do reconhecimento, Mucha se ressentia da ligeireza associada à
sua obra.
Como diz a curadora Sato, é
irônico que alguém tão interessado pela representação das ideias e pelo alcance
filosófico seja lembrado pelo estilo ‘cosmético’, que para alguns se resume ao
frufru.
Em escritos, ele menciona a
busca por ‘algo mais elevado’, o intuito de ‘lançar luz sobre os lugares mais
remotos’. Tal rota vai levá-lo à maçonaria e a experiências com correntes
espiritualistas, como o misticismo e o ocultismo, muito por influência do amigo
sueco August Strindberg, dramaturgo.
Um dos primeiros frutos dessa
incursão íntima é o livro ilustrado ‘Pater’, 1899, que desdobra os versos do pai-nosso em
simbologias cristã, judaica e islâmica, para traçar um caminho desde a
escuridão da ignorância até os prometidos clarões da verdade e do divino.
Alfons Mucha, autorretrato na escada, trabalhando no pôster 'Imprimerie Cassan Fils', 1896
Porém, o projeto que vai de
fato mobilizar Mucha em sua última fase, a partir da volta à terra natal, em 1910, é o da ‘Epopeia
Eslava’, 20 murais em que cristaliza episódios-chave na história dos tchecos e de
outros povos eslavos.
A independência da Tchecoslováquia,
conquistada em 1918, era uma fixação do artista, que desenhou as
primeiras notas e selos do país livre.
Mesmo nas figuras
idealizadas, quase impalpáveis de seus cartazes da belle époque, o tcheco
fizera questão de inserir acenos ao imaginário eslavo, fosse em trajes típicos
do folclore, fosse em uma técnica de desenho emprestada à arte bizantina —o
Império Romano do Oriente era tido como o ‘berço espiritual’ da cultura eslava.
Quando a libertação do jugo
do Império Austro-Húngaro veio, houve quem dissesse que a magnum opus de Mucha
perdera o sentido.
A entrada das tropas nazistas
em Praga em 1939 e a anexação parcial da Tchecoslováquia durante a
Segunda Guerra mostraram quem tinha razão em revolver o passado para tentar
evitar o eterno retorno de equívocos.
Como a ‘Epopeia’ é frágil
para sair da República Tcheca, será apresentada ao público paulistano por meio
de uma instalação audiovisual.
ALPHONSE MUCHA: O LEGADO DA ART NOUVEAU
Quando Ter. a sáb., das 10h às 22h. Dom., das 10h às 20h. Até 15/12
Onde Centro Cultural Fiesp, av. Paulista, 1.313, Cerqueira
César
Preço Grátis
Fonte: Lucas Neves
| FSP
(JA, Set19)
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