Na era do deepfake —técnica
que, por meio de inteligência artificial, manipula conteúdo audiovisual com o
intuito de propagar uma mentira—, é difícil distinguir, entre milhares de
imagens que bombardeiam o cotidiano, o que é falso e o que não é.
A situação remete a uma das
questões centrais do trabalho de Harun Farocki, cineasta e artista visual
radicado na Alemanha que cravou por meio de seu trabalho que nenhuma imagem é
inocente, nas palavras de Heloisa Espada, curadora de ‘Harun Farocki: Quem É
Responsável?’.
Dividida em duas partes —a
primeira esteve em cartaz no IMS Rio entre março e junho—, a mostra é uma compilação
de instalações em vídeo que questionam colonialismo, controle, tecnologia, belicismo
e as condições de trabalho ao longo das décadas.
Agora, a sede paulista do
instituto recebe uma continuação do projeto, formado por sete obras não
exibidas no Rio e que abre nesta terça (17).
‘Nada é inocente, tudo tem
uma intenção, principalmente uma intenção política’, diz Espada. Ela cita uma
gravação que esteve no Rio na qual o próprio Farocki discute, com o filósofo
Vilém Flusser, a relação entre texto, fotos e design em um tablóide
sensacionalista alemão. ‘O mesmo poderia ser feito com um meme hoje em dia’,
completa.
Morto em 2014, Farocki
não viveu para ver a ascensão das fake news, termo abraçado pelo léxico de
dezenas de idiomas na campanha que elegeu Trump nos Estados Unidos.
Em terras brasileiras, ele
vem sendo repetido à exaustão por Bolsonaro e seus seguidores para classificar
reportagens que impactam sua imagem de forma negativa.
‘Com certeza Harun ficaria
horrorizado com Trump e Bolsonaro’, diz a viúva do cineasta, Antje Ehmann, que
também é responsável por seu espólio e é cocuradora da mostra. ‘A ideia de não
acreditar nas notícias é nova e é terrível, é perigosa’, afirma.
Os dois estiveram juntos por
cerca de 20 anos. Se conheceram graças a um festival de cinema no qual Ehmann
trabalhava e, a partir da década de 1990, também compartilharam a vida
profissional.
Eles conceberam diversas
obras em parceria, incluindo ‘Plano-sequência sobre Trabalho’, exposta no IMS Paulista. A
instalação reúne filmagens curtas de trabalhadores, formais e informais, em
diversos países e ofícios.
As gravações foram feitas por
meio de oficinas ministradas pelo casal. Cerca de três anos após a morte de
Farocki, Ehmann decidiu dar continuidade ao projeto e hoje compila conteúdo em
um site.
‘Precisamos ver o trabalho de
forma crítica, repensando sua função ao longo do século 20 e nos dias atuais’,
afirma. ‘Precisamos analisar as transformações que ele causa no Brasil e em
outros países’.
Este é o foco desta segunda
parte de ‘Quem É Responsável?’, que no Rio priorizou questionamentos sobre
controle e tecnologia. A escolha desse eixo temático ocorreu após a intervenção
militar na cidade. Em São Paulo, Espada conta, tomaram maior liberdade na
seleção das obras.
‘O trabalho é uma temática
que sempre esteve no cerne da produção do Farocki’, diz. ‘E quisemos trazer
isso ao Brasil, nesta que é a maior de suas mostras no país, se somarmos Rio e
São Paulo, e que está tão conectada às suas opiniões em relação ao cinema’.
Tanto a curadora quanto
Ehmann gostam de ressaltar que, antes de artista, Farocki era cineasta, e era
assim que gostava de se apresentar às pessoas. Ele não estava interessado em
ser artista, diz sua viúva.
Com cinematografia pautada
pelo experimentalismo e o ativismo, Farocki fez a transição das telas para os
museus e galerias nos anos 1990, depois de receber um convite para montar uma
instalação em vídeo na França.
‘Essa mudança aconteceu porque
ele percebeu que, nesses espaços, seu tipo de cinema poderia alcançar um número
maior de pessoas’, conta Ehmann. ‘E seu objetivo enquanto realizador sempre foi
dialogar com quem quer que fosse’.
HARUN FAROCKI: QUEM É RESPONSÁVEL?
IMS Paulista, av. Paulista, 2.424
De 17-Set a 05-Jan
Ter., qua. e sex. a dom., das 10h às 20h. Qui., das
10h às 22h
Grátis
Fonte: Leonardo Sanchez
| FSP
(JA, Set19)
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