Instituto Tomie Ohtake reúne 23 obras políticas do artista e discute aproximação das obras com os muralistas mexicanos
Emiliano Di Cavalcanti é vastamente conhecido por suas
pinturas de um Brasil considerado popular e miscigenado, mas o curador Ivo
Mesquita defende que o artista ainda não recebeu reconhecimento pelo período em
que fez algumas de suas maiores produções, e talvez as mais políticas de sua
carreira —a de painéis e murais.
O painel ‘Brasil em Quatro Fases’, por exemplo, narra a
formação de um país que passa por florestas exuberantes, por um sol a pino, e
por trabalhadores que ocupam as ruas e as sacadas da cidade de um Brasil que
rumava para a modernidade.
A história formada por essa obra se amarra, no entanto, com
um último pedaço do painel de cores escuras, com cidadãos que dançam nas
sombras —e que se relaciona com quando foi feito, 1965, um ano após a ditadura militar começar no Brasil.
É essa e outras obras, predominantes na produção dos anos 1950 do artista brasileiro, que são retomadas em ‘Di
Cavalcanti, Muralista’, que fica até outubro deste ano no Instituto Tomie
Ohtake, com 23 trabalhos produzidos a partir da
década de 1920.
‘O Di se tornou o pintor das mulatas, do samba, que virou um estereótipo
dele’, afirma Mesquita. Não se vê esse outro lado dele que, para mim, é sua
grande obra. Ele era um muralista’.
Acontece que não é possível transpor vários de seus murais
mais importantes para dentro do museu. A solução para aproximar o público
dessas obras, então, foi trazer pinturas de grandes dimensões, que anunciam
técnicas e temas que Di usou em seus murais, apresentar uma linha do tempo com
imagens desses murais mais emblemáticos que estão pelo Brasil, e exibir outros
dois painéis, como ‘Trabalhadores’ e o próprio ‘Brasil em Quatro Fases’.
Distante dos cavaletes, o público é apresentado para um Di que trabalha com uma tinta mais lavada, mesmo com um traço firme. Há também composições de um fundo decorativo, quase bordado, como em ‘Feira Nordestina’, que Mesquita aponta uma influência de Delacroix.
O curador também busca debater a aproximação que se faz entre
o muralismo do Di Cavalcanti e dos muralistas mexicanos, como Diego Rivera
—mais do que uma influência do outro país, Mesquita defende que se trata de uma
produção feita na mesma época, no espírito do tempo.
‘Sempre me perguntei onde o Di conheceu o muralismo, porque
nos anos 1920 não tinha mural, e em 1922 ele começa a pintar os primeiros. Ele só vai ao
México em 1949’, diz Mesquita, que considera que o
artista teve contato com painéis primeiro no Rio de Janeiro.
‘Essa talvez tenha sido a grande linguagem dele. Mesmo que
pinte, por exemplo, painéis com mulatas, o que predomina neles é o trabalho,
que é o tema dos muralistas’.
Essa atitude carregada de um certo vanguardismo que a
exposição levanta, se dá em torno principalmente do mural que o artista fez
para o teatro João Caetano, no Rio de Janeiro —na mostra, há uma reprodução
grande dele, ainda que não em tamanho real, numa tentativa de reproduzir parte
do impacto que a obra causa.
O que faz do díptico ‘Samba e Carnaval’ uma obra tão solar no
posicionamento de Di Cavalcanti que a mostra propõe é, primeiro, ela ter sido
feita em 1929 e ser considerada o primeiro mural
modernista brasileiro —ou seja, uma produção que acontece anos antes de
Portinari, conhecido como grande muralista, fincar sua produção como tal.
A segunda razão é, de novo, política. ‘É a primeira vez que
nós temos uma representação do povo brasileiro, da rua, do subúrbio, do morro
por um artista modernista’, afirma Mesquita. O ineditismo era tanto que há
registros de uma elite que se dizia desconfortável com aquele povo num salão de
um teatro, considerado tão elegante e refinado.
Mesmo que não esteja na mostra propriamente, a linha do tempo
resgata a memória de murais de Di Cavalcanti que apontam para um certo humor do
artista, que também era cartunista.
Uma tapeçaria que está na biblioteca do Palácio da Alvorada,
por exemplo, foi chamada ‘Múmias’, numa referência um tanto irônica aos que
habitam o prédio. Já no painel que ele faz para o Congresso Nacional, com os
candangos, reina uma sobriedade ordenada da força de trabalhadores que ergueram
a capital do país.
‘Era um trabalho que envolvia muitas pessoas, mas acredito
que era até disso que ele gostava’, afirma o curador sobre Di, que era
declaradamente de esquerda. ‘Era a produção de uma arte para as ruas e sobre as
ruas’.
DI CAVALCANTI, MURALISTA
- Quando - Até 17/10. Ter. a dom.: 12h às 17h
- Onde - No Instituto Tomie Ohtake - av. Faria Lima 201 (entrada pela r. Coropés, 88), Pinheiros, São Paulo
- Preço - Gratuito
Fonte: Carolina Moraes | FSP
(JA, Jul21)
Ótimo blogger
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