domingo, 25 de julho de 2021

Tereza de Benguela, homenageada no Dia da Mulher Negra

 

Chamada de rainha, ela comandou quilombo em Mato Grosso no século 18 

 

Óleo sobre tela do pintor e gravurista suíço Félix Edouard Vallotton, 1865 -1925; imagem é comumente associada a Tereza de Benguela, líder quilombola brasileira no século 18

 

‘No seio de Mato Grosso, a festança começava / Com o parlamento, a rainha negra governava / Índios, caboclos e mestiços, numa civilização / O sangue latino vem na miscigenação’, cantava a Unidos de Viradouro no Carnaval de 1994.

Com o samba enredo ‘Tereza de Benguela: uma Rainha Negra no Pantanal’, a escola alcançou o terceiro lugar na competição, sua melhor posição em muito tempo. Mais do que isso, antecipou em 20 anos a homenagem a essa líder quilombola, que viveu em meados do século 18.

Pois foi só a partir do dia 25 de julho de 2014 que a ‘Rainha Negra’ passou a ser celebrada anualmente no Brasil. A lei 12.987, sancionada por Dilma Rousseff - PT, instituiu o ‘Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra’, com o propósito de resgatar a memória de uma heroína negligenciada pela história.

Há poucos registros sobre seus feitos, mas o que se sabe é que a Rainha Tereza, como era chamada, esteve à frente do Quilombo do Quariterê depois que seu companheiro, José Piolho, foi morto pelas forças coloniais.

Naquele momento, ela assumiu a organização política e militar da comunidade. ‘Foi uma liderança muito especial, porque ela não só pensava em toda a estratégia de guerra e de resistência, como também era uma guerreira combatente’, diz Jaqueline Fernandes, 41, idealizadora e fundadora do maior festival de mulheres negras da América Latina, o Latinidades.

Localizado no Vale do Guaporé, em Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso (perto da fronteira com a Bolívia), o quilombo era controlado com mão de ferro por Tereza, que castigava quem a desobedecia.

De acordo com Aline Nascimento, 34, historiadora, mestre em relações étnico-raciais e que integra a equipe do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), havia um motivo por trás desse comportamento: ‘Essa liderança mais rígida era não só por ser uma mulher, mas por dar conta de toda uma estrutura de defesa e articulação’.

Registros históricos apontam que Tereza constituiu no quilombo um sistema parlamentar, e comandou uma comunidade composta de negros e indígenas, que viviam do cultivo de algodão, milho, feijão, mandioca, banana e a comercialização dos excedentes.

‘Os quilombos não eram lugares de negros fugidos, e de economia de subsistência, como afirmam os registros coloniais. Eles nunca foram isolados dos mercados regionais. Pelo contrário, se mantinham por meio de atividades agrícolas e da comercialização’, afirma Emmanuel de Almeida Farias Júnior, 41, professor da Universidade Estadual do Maranhão, e pesquisador das comunidades quilombolas na Amazônia.

Mas eram locais de resistência, e Rainha Tereza transformou-se numa ameaça ao poder central. Em fins do século 18, ela terminou capturada e presa.

De acordo com uma versão da história, uma vez no cárcere, ela parou de comer, e morreu em decorrência dos maus-tratos, e da falta de alimentação. Sua cabeça foi cortada e exposta na praça do quilombo. Segundo outra versão, ela se matou.

Para a historiadora Aline Nascimento, celebrar a líder quilombola no dia 25 de julho é uma escolha simbólica, porque chama a atenção para o poder de uma mulher negra. Na sua opinião, é importante conhecer trajetórias como a de Tereza, para que a população negra não seja vista apenas em uma relação de subserviência da escravidão, em detrimento de histórias que também são de luta.

‘Por isso, é urgente retomar essas narrativas para entendermos que não tem [só] uma Marielle, ou uma Tereza de Benguela, existem muitas, que são silenciadas todos os dias, em todos os lugares, mas que mesmo assim não abaixam a cabeça, e seguem em frente’, afirma Nascimento.

A escolha de 25 de julho, por sua vez, se deu porque, no mesmo dia, comemora-se o ‘Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha’. A data virou um marco de luta e resistência após o 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, realizado na República Dominicana, em 1992.

Para Jaqueline Fernandes, do festival Latinidades, a data não só traz o protagonismo dessas mulheres, como também vem lembrar que, na América Latina e no Caribe, houve um processo brutal de escravidão. ‘A abolição inacabada deixou como mal legado os piores índices de acesso às políticas públicas, e violência aplicada às mulheres negras’, diz.

Marcar no tempo a data, é trazer a necessidade de repensar como as mulheres negras avançam, e continuam sofrendo todas as combinações de violência, segundo a historiadora Aline Nascimento.

Para ela, as mulheres negras recebem o ônus de toda a estrutura, principalmente a econômica. Por isso, ‘olhar para as mulheres negras que estão na base, é pensar e construir soluções para toda a sociedade, e não só para um grupo’, afirma. 


 

Fonte: Priscila Camazano | FSP

 

(JA, Jul21)

 


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