Ensaio de Alfredo Bosi analisa o gênio
ainda influente 500 anos após a sua morte
Durante alguns séculos,
Leonardo da Vinci sofreu o efeito dos estudos parciais de sua obra. Entre os
séculos 16 e 17, foi admirado como artista absoluto e gênio pintor, enquanto no
século 19 foi consagrado como cientista e inventor.
'Arte e Conhecimento em
Leonardo da Vinci’, livro de Alfredo Bosi publicado pela Edusp, foge a esse
dualismo e propõe interrogar a situação ambígua de Da Vinci no Renascimento,
considerando o desejo de conhecimento e as fantasias visuais que mobilizou.
Mais conhecido por sua
contribuição aos estudos de literatura brasileira, Bosi mantêm há várias
décadas um interesse pelas artes italianas, tendo se dedicado também às obras
de Pirandello e Leopardi.
O livro sobre Da Vinci
responde de certo modo aos debates acompanhados por ele nos anos 1960, na
Itália, entre Eugenio Garin e Cesare Luporini, ambos professores da
Universidade de Florença, defendendo abordagens divergentes da obra do artista
toscano.
Seu argumento principal é
que, entre o naturalismo renascentista e o neoplatonismo em voga na Florença do
século 15 e ao qual Da Vinci adere, existe uma articulação não contraditória
que precisa ser levada em consideração.
Com Da Vinci, a pintura do
chamado ‘Quattrocento’ teria se transformado numa espécie de ciência do
visível. ‘O desejo do conhecimento acende a inteligência e estimula a fantasia
plástica’, diz Bosi, que também fala em ‘olho mental’. No caso do artista
italiano, isso seria fruto da articulação entre o observador e a valorização da
potência imaginativa.
Desenhos anatômicos de Da Vinci eram de grande precisão |
Bosi se interessa então pelos
métodos —o exercício do desenho anatômico, desenhos de convulsões naturais,
vendavais, tempestades, mas também anotações e pequenas fábulas disseminadas em
cadernos e códices— e pelos caminhos da mente nas figuras egressas da ‘bizarra
fantasia’ de Leonardo Da Vinci.
Parte do vasto material para
revelar uma concepção de natureza dinâmica e complexa que também afeta os usos
de luz e sombra em sua pintura e a invenção do ‘sfumato’, que dissolve os
limites dos objetos e cria uma atmosfera mais rarefeita e misteriosa.
Desviando-se da análise de viés
sociocultural que contextualiza o ambiente renascentista, o ensaio de Bosi
trata antes da aventura criativa do pensamento, dando especial atenção a seus
escritos, ou fólios, que permitem ampliar o entendimento de seu gesto plástico.
Bosi toma a pintura de Da
Vinci como pensamento não verbal, mas também como captação poderosa da
mobilidade do mundo que o desenho conseguiria apenas fixar e descrever. O autor
mostra que em Da Vinci há uma tensão produtiva entre o estudo científico da
natureza e uma resistência à racionalização do sensível que caracterizou a
pintura italiana durante o Renascimento.
É uma pena que à discussão
travada no livro faltem referências bibliográficas mais atualizadas e
abrangentes.
Teria sido interessante ver a
perspectiva de Bosi dialogar mais diretamente com aquela de Daniel Arasse.
Ou mesmo com André Chastel,
que abordou o trabalho de Da Vinci em termos de uma ‘ciência da pintura’, e via
no seu gosto pela sombra e pelo soturno uma heresia no interior da estética
florentina, voltada predominantemente para o esplendor da visibilidade.
Arte e Conhecimento em Leonardo da Vinci
Preço R$ 34 (88 págs.)
Autor Alfredo Bosi
Editora Edusp
Fonte: Laura Erber
| FSP
(JA, Jul19)
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