Uma completa mostra no
Jardim Botânico do Bronx ilumina a arte do modernista que lidava igualmente com
plantas e pincéis
Plantação nova-iorquina: ‘renascentista’ |
As palmeiras, magnólias e
bromélias, plantadas no clima subtropical da Flórida, rodaram 2000 quilômetros
para o norte, em caminhões, a caminho do frio de Nova York. A cidade abriga
dois dos mais belos jardins botânicos das Américas, um no bairro do Brooklyn, o
outro no Bronx.
O Jardim Botânico do Bronx
acaba de inaugurar uma de suas mais ambiciosas exposições em 128 anos de
história, ‘Brazilian Modern: The Living Art of Roberto Burle Marx’ (Brasileiro
Moderno: a Arte Viva de Roberto Burle Marx), em cartaz até 29 de setembro,
quando a impiedosa chegada do outono no Hemisfério Norte vier a desfazer a
temporária fantasia tropical.
Burle Marx, que morreu há
exatos 25 anos, foi sempre muito querido e estudado pelos americanos — em 2016,
uma retrospectiva no Jewish Museum em Manhattan significou a redescoberta do
artista brasileiro, para muito além dos jardins.
A mostra do Bronx se estende
por quatro áreas: um jardim ao ar livre com direito a um mosaico que evoca as
calçadas de Copacabana; uma seleção de plantas e flores tropicais na estufa
Enid Haupt, estrutura centenária de inspiração vitoriana; um lago de plantas
aquáticas; e, na biblioteca, uma galeria com obras de Burle Marx — pinturas,
tapeçaria e desenhos.
A exposição foi programada ao
longo de três anos e tem dois curadores convidados: Raymond Jungles, arquiteto
paisagista, protegido de Burle Marx, e o historiador de arte latino-americana
Edward Sullivan, da Universidade de Nova York.
Numa tarde de sol recente,
feita sob medida para um passeio no jardim-tributo, é difícil acreditar como o
viçoso éden tropical resistiu a semanas de instalação num mês de maio entre os
mais gelados registrados em Nova York. Jungles, que emprestou ao Jardim
Botânico várias espécies, como bromélias e o Filodendro burle-marx, diz que nem
todas resistirão à volta para a Flórida no outono americano. ‘Não tem jeito’,
diz. ‘Algumas vão virar matéria vegetal para cobrir outros jardins’.
O ateliê de Burle Marx, 1909-1994, no Rio |
Para Jungles, que se tornou
amigo do brasileiro depois de se hospedar sucessivas vezes entre 1982 e 1994 no
sítio de Burle Marx, na Zona Oeste do Rio, transformado em centro de estudos
botânicos e de conservação ambiental, ‘ele era um verdadeiro renascentista,
homem com uma variedade extraordinária de talentos, um pioneiro do
ambientalismo’.
Sullivan, que se encantou com
a obra paisagística de Burle Marx nos anos 1980, ao conhecer o Aterro do
Flamengo — hoje um triste monumento do descaso público —, vai ainda mais longe.
‘Se tivesse nascido na era do barroco, entre os séculos XVI e XVIII, poderia
ser chamado de um monstro da natureza’ , diz. Monstro da natureza era o termo
que o autor de Dom Quixote, Miguel de Cervantes, usava para definir seu
contemporâneo, o poeta, dramaturgo e filósofo espanhol Lope de Vega.
A excelência do trabalho de
Burle Marx como arquiteto de jardins, que o fez celebrado internacionalmente,
acabou por ofuscar a extensa produção como artista plástico, que a exibição
nova-iorquina trata de iluminar.
‘Quando observo exposições de
modernistas brasileiros, pergunto: por que Burle Marx não está lado a lado com
os nomes já conhecidos?’, diz Sullivan. ‘Hélio Oiticica, Lygia Pape e Lygia
Clark seguiram os passos de Burle Marx na criação de suas obras’.
Segundo o crítico de arte
francês Roger Caillois, autor de um alentado estudo acadêmico sobre Burle Marx
e seu tempo, ‘o jardim instala no espaço rude uma minigeografia bem arrumada,
ligeiramente desligada da natureza. O homem o criou não para sua subsistência,
mas para seu deleite. O jardim é inútil e cobiçado: exatamente as duas
características pelas quais os que não são artistas facilmente reconhecem as
obras de arte’.
Não há dúvida: com plantas e
pincéis, Burle Marx andou sempre de mãos dadas com os grandes nomes do
modernismo. Edward Sullivan tenta explicar por que, apesar da inquietação
criativa de monstro da natureza, ele costumava dizer que, se estivesse
pintando, não projetava um jardim, era uma modalidade de cada vez.
‘Burle Marx
tinha uma grande preocupação de não ser visto como diletante, uma figura
periférica’, diz. ‘Mas o fato é que o grande artista estava presente em todos
os meios e não se pode separar o que ele criava. Seja nas joias que desenhou
com o irmão Haroldo, seja nas pinturas e nos jardins, a sensualidade e o ar da
natureza estão sempre presentes’.
Fonte: Lúcia Guimarães , de
Nova York | Rev. Veja
(JA, Jun19)
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