Morto na semana passada, o arquiteto I.
M. Pei agradou sem nunca se render a modismos
I.M. Pei (esq.) diante de sua mais famosa criação, a pirâmide do Louvre, em Paris, ao lado do então ministro da Cultura da França, Renaud Donnedieu |
Não é sempre que se recebe a
ampliação do Louvre como encomenda. Mais que um aumento, era necessária uma
profunda reorganização dos acessos e da circulação do museu que no início dos
anos 1980 dava sensação caótica e de certo enfado ao público.
A instituição parisiense
guarda e apresenta mais que uma miríade de obras-primas, mas não nos esqueçamos
de que ela ocupa um colossal palácio, um edifício com séculos de existência que
não foi concebido para ser museu, mas para abrigar uma corte.
E coube ao chinês Ieoh Ming
Pei intervir na construção que encarna o clímax da cultura ocidental. O
arquiteto, morto na semana passada, estudou e desenvolveu toda a sua carreira
nos Estados Unidos.
A escolha de um não francês
já detonaria polêmicas no país, porém nada bate o desafio de pensar algo para
um lugar que milhares de arquitetos e críticos de todo o mundo têm uma opinião
a dar a respeito. O que fosse feito passaria por um escrutínio global.
I. M. Pei, como ficou
conhecido, apostou alto e propôs um novo ícone para a capital francesa já bem
sortida de ícones —o projeto do Louvre parte de uma pirâmide de vidro.
Ele convoca uma tipologia
arquitetônica de milênios de existência e aplica nela a tecnologia e os
materiais de sua época —uma estrutura com múltiplas hastes metálicas muito
delgadas que conformam uma volumetria recoberta por transparentes e leves peças
de vidro. O uso do material, aliás, marcou seus projetos anteriores, entre eles
a Biblioteca Presidencial de John F. Kennedy, em Boston.
Em Paris, Pei fez uma joia
delicada com um simples sólido geométrico. Há o caráter simbólico de criar uma
preciosidade reconhecida tanto por críticos quanto pelo público.
I.M. Pei em foto de 2004, durante homenagem recebida em Nova York |
O êxito do arquiteto é também
notável em termos operacionais. Seu projeto ocupa, em grande medida, o pátio frontal
do Louvre, diante do jardim das Tulherias, e ponto inicial do grande eixo
parisiense que dará na Champs-Élysées e no Arco do Triunfo.
Antes da intervenção, esse
pátio era ocupado como um estacionamento do museu, o que transformava de início
a visita numa experiência labiríntica e confusa. O Louvre é um imenso palácio
composto por diversas alas com muitas salas sem saída e de retorno obrigatório.
Para além de gerar um confortável acesso contemporâneo de sofisticado
acabamento, I. M. Pei liga o núcleo do museu à circulação dos diferentes lados.
A solução funcional ganhou
ampla simpatia com o passar dos anos. Após a inauguração deste Louvre renovado
em março de 1989, o sino-americano recebeu o título de oficial da Ordem
Nacional da Legião da Honra da França em 1993, do presidente François
Mitterrand.
Pirâmide do Louvre,
construída por I.M. Pei
I. M. Pei faz parte de um
peculiar grupo de grandes arquitetos que ao analisarmos detidamente seu
principal projeto conseguimos verificar as qualidades presentes em todo o seu
conjunto de obras. A descrição das virtudes de sua intervenção no Louvre é
visivelmente aplicável aos projetos da ala leste da National Gallery, obra de
1978 em Washington, e do Museu e Hall da Fama do Rock’n’Roll, realizado em 1995
em Cleveland.
Sem se deixar cair em
modismos pós-modernos nas décadas de 1970 e 1980, Pei se manteve próximos dos
princípios dos mestres modernos Walter Gropius e Marcel Breuer, com quem teve
aulas nos Estados Unidos.
Desde a abertura de seu
escritório em 1955, o arquiteto esteve sempre atento ao emprego da tecnologia
de ponta da época, o que se vê nas várias torres de vidro que projetou na
carreira. Foi, assim, um arquiteto requisitado tanto em encomendas
governamentais para edifícios públicos quanto pelo mercado imobiliário.
Recebeu a maioria das
principais láureas que um arquiteto pode ganhar, como o prêmio Pritzker, em
1983, e a medalha de ouro do Riba, o Instituto Real de Arquitetos Britânicos,
em 2010.
Seu canto do cisne foi o
Museu de Arte Islâmica, em Doha. Já projetado em coautoria com seus filhos,
Chien Chung Pei e Li Chung Pei, o edifício é fruto da apropriação e do
empilhamento de formas do islã. A síntese obtida no Louvre foi perdida, mas as
referências simbólicas foram multiplicadas ali.
Fonte: Francesco Perrota-Bosch | FSP
(JA, Mai19)
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