Diagnóstico feito pela UFMG, a pedido do Ministério da Economia, aponta várias demandas no setor
Dificuldade para comprar material, expor seu trabalho e vender em condições justas são algumas das dificuldades do artesanato brasileiro identificadas por diagnóstico recém-divulgado pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), feito a pedido do Ministério da Economia, durante o governo Bolsonaro. O documento também apontou que o artesão se encontra em uma situação vulnerável, já que uma parcela significativa recebe menos do que um salário-mínimo e não tem proteção previdenciária.
O documento de
aproximadamente 500 páginas, nascido por meio do PAB (Programa do Artesanato Brasileiro), contém análise com indicação de sugestões e soluções
para problemas emergenciais, segundo Mariana Pompermayer, professora da Escola
de Belas Artes da UFMG, que integra a coordenação geral do projeto.
"Existe muita diferença
regional. Considerando a dimensão do país, pensar em uma política pública única
é complicado. Então a gente precisa ter um aprofundamento para entender isso."
A primeira etapa foi
concluída em dezembro de 2022 e indica que as políticas públicas para o setor, que
movimenta cerca de 8,5 milhões de pessoas no país, são praticamente
inexistentes. As discussões para ajustes no setor são antigas e foram ainda
mais esvaziadas nos últimos anos, de acordo com Isabel Gonçalves, conselheira
da Confederação Nacional dos Trabalhadores Artesãos do Brasil.
A conselheira diz que a lei
federal 13.180/2015, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff (PT), que
regulamentou a profissão de artesão, criou "um alinhamento, um projeto
construído para o artesanato brasileiro"
"Foi uma política
pública traçada com apresentação da categoria em todos os estados, mas não saiu
do papel. Não temos políticas públicas. Só temos ações pautadas em realização
de feiras. O programa está resumido a isso. Somos os únicos artistas no país
que pagamos para assistirem ao nosso show. Tem que comprar o espaço para
mostrar a sua produção", diz Isabel.
O aprimoramento da lei é um dos pontos destacados no diagnóstico feito pela UFMG. "Tem uma falta de conhecimento em torno das questões do setor do artesanato, que a gente precisa explorar com os gestores, com os artesãos, para chegar a um entendimento de como formular essas políticas de uma melhor forma", diz Mariana Pompermayer.
De acordo com a área técnica
do Ministério da Economia, já há discussões para a reformulação da lei.
O relatório, que contou com a
colaboração de outras oito universidades federais e estaduais, também aponta
uma "alta dependência" das gestões estaduais e municipais para
fomentar o artesanato.
Segundo o levantamento,
Amazonas, Santa Catarina, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Acre, Rio Grande do
Norte, Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Ceará e Distrito Federal
possuem leis voltadas à atividade.
O estado de São Paulo conta
com uma subsecretaria, a Sutaco (Subsecretaria
do Trabalho Artesanal nas Comunidades).
De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, são 98 mil cadastros
de artesãos no estado. A pasta também diz que faz parcerias com prefeituras
para o "fomento do artesanato regional e apoio na realização de festivais
locais".
A ceramista Vanderléa Lima, 44, trabalha com artesanato há cinco anos. Coordena a associação Cerâmicas Baluarte, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Segundo a artesã, são 16 famílias envolvidas no trabalho. Ela aponta o escoamento da produção como um grande gargalo do setor.
"A Secretaria Estadual
de Desenvolvimento sempre chama a gente para grandes eventos, como o Mesa São
Paulo, por exemplo. Somos convidados a participar, inserirmo-nos nesses
mercados, mas ainda não tem uma política muito clara", diz.
A associação fica em uma área
rural, próxima à represa Billings. As peças, como pratos, travessas, tigelas e
xícaras, são inspiradas na Mata Atlântica. A maioria das pessoas que trabalham
nela são mulheres.
"Faltam incentivos para
escoar a mercadoria, acessar grandes mercados. Tem peças que a gente faz que
pode custar R$ 300, mas não sabemos quando vai vender. Depende de
feiras, de alguns eventos", diz Vanderléa.
"Muitas mulheres preferem fazer faxina durante o dia para poder ter dinheiro para levar comida para casa à noite."
Segundo o PAB, a comercialização do material é uma das prioridades do programa. Uma das sugestões apontadas no relatório do mapeamento é a "criação de uma política de comercialização consistente para o setor, que, de fato, contribua para a sua sustentabilidade".
Além disso, existe um outro
desafio que é o desinteresse dos mais jovens.
"O acesso dos jovens à
educação formal, e a bens e serviços que seus antepassados não experimentaram, incentivam-nos
a buscar outras ocupações, com remuneração mais alta, e processo de trabalho
menos desgastante. Disso decorre que a ocupação de artesão é atualmente, em
média, composta por pessoas mais velhas do que das demais ocupações", diz
o relatório.
Para Isabel Gonçalves, a questão vai além. "O artesanato sempre foi visto como uma questão assistencialista. ‘Ah, eu não tenho nada, vou ser artesã’. Não existe isso. O artesanato é consolidado, uma representação cultural. Ele, economicamente, tem uma grande importância."
Neste ano estão previstas
mais duas etapas no trabalho da UFMG. Uma delas é aprofundar a pesquisa, com os recortes
regionais. A outra é disponibilizar cursos de extensão para atendimento de
demandas do setor.
Segundo o PAB, também deverá ser criado um selo para identificar e premiar o produto nacional. Há a promessa para que o Sicab (Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro) seja reformulado.
Fonte: Emerson Vicente | FSP
(JA, Jan23)
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