Alex Katz criou um mundo sem sobras em telas que viriam à Bienal de São Paulo, mas a pandemia atropelou todos os planos. A exposição agora é só virtual
Uma mulher mais velha ajeita um blusão rosa com uma expressão de aconchego no rosto. Dois amantes se abraçam com ternura em meio às árvores. Poucas folhas amareladas pelo frio do outono caem no asfalto cinzento.
Quem observa essas telas plácidas e
de atmosfera ‘cool’ de Alex Katz não imagina que um dos principais nomes da
pintura da atualidade tem um humor bastante ácido.
‘Você não quer fazer algo que pareça
velho. Eu quero fazer algo que pareça novo em folha. E, para as pessoas que
gostam de coisas velhas, pintar coisas novas é raso’, afirma, meio sério e meio
irônico, em entrevista pelo Zoom.
Nas suas telas, o pintor
nova-iorquino congela num eterno presente o cotidiano que vive na ilha de
Manhattan —a convivência com os amigos, familiares, e com a mulher Ada, que já
foi retratada por ele algumas centenas de vezes.
Outro tema recorrente são os
arredores bucólicos de uma casa-ateliê no estado do Maine, próxima à uma praia,
onde ele passa boa parte do tempo. Aos 92
anos, Katz afirma não acreditar em paraíso nem no amanhã radiante. ‘Não há
passado, não há futuro, é só hoje’.
Um breve recorte de sua carreira de
cerca de sete décadas está em exposição até o início de novembro no site da
galeria Thaddaeus Ropac —são 30 telas de
dimensões variadas selecionadas pelo seu amigo e crítico Robert Storr.
Mas essas obras deveriam estar agora
no Brasil. Katz participaria da mostra principal da 34ª edição da Bienal de São Paulo, e também ganharia uma grande
retrospectiva no Instituto Tomie Ohtake, na capital paulista, sua primeira na
América do Sul. A pandemia e a alta do dólar forçaram a suspensão de ambos. ‘Não
é a mesma coisa’, diz ele, sobre ver o seu trabalho na tela de um computador ou
celular.
Precursor da pop art, Katz
desenvolveu seu estilo nos anos 1950,
depois de estudar na faculdade Cooper Union, em Nova York. Desprezando o
ensinamento modernista que recebeu, decidiu fazer pinturas figurativas num
momento em que os Estados Unidos se destacavam com os respingos abstratos de
Jackson Pollock.
Mas, se as telas do expressionista
abstrato inspiravam profundidade e contemplação, as de Katz, influenciadas pela
estética dos outdoors publicitários e cenas de filmes, iam pelo caminho oposto,
apostando na leitura fácil.
‘Eu cresci, sou um artista treinado,
embora o meu trabalho não pareça assim para muita gente’, diz, refutando uma
crítica comum a suas obras —a de que parecem terem sido feitas sem esforço.
Ser um pintor famoso foi algo
consciente, ele diz que exigiu dele pensar muito sobre o ofício, e fazer coisas
que se parecessem com a ideia de arte.
No colegial, notou que seus desenhos
de moldes de estátuas, aos poucos, se tornaram melhores do que o de seus
professores, o que o estimulou a levar a carreira a sério.
‘Eu não tinha nenhuma confiança, mas
trabalhei duro e pensei que se eu posso me tornar tão bom vindo do nada, em 20 anos vou fazer algo realmente bom. E consegui’.
A estética de Katz —personagens
chapados e sem sombra, contra grandes blocos de cor— se manteve em grande parte
inalterada, ao longo das décadas, independente do movimento artístico em voga.
Atualmente, parece fazer sentido num ambiente saturado de imagens. Ele se diz
contente por ‘ser parte dessa saturação’, e afirma apreciar um mundo que se torna
cada vez mais visual, e menos verbal, nas suas palavras.
Outra característica de sua obra é a
ausência de motivos explicitamente políticos. Desde adolescente, ele diz nunca
ter gostado de arte engajada, porque a considera barata, e uma forma de
rebaixar a pintura, como se alguém estivesse perguntando de forma obsessiva se
o observador entende o que está representado ali.
Quando era estudante, ele recusou o
convite de um professor para participar de uma mostra de arte politizada numa
galeria importante —chance que a maioria dos jovens não desperdiçaria, conta.
Toda essa aversão talvez explique a
sua total falta de cerimônia ao estraçalhar a pintura contemporânea americana. ‘Essencialmente
decorativa’, diz ele, sobre a obra do artista negro e gay Mark Bradford, que
representou os Estados Unidos na Bienal de Veneza de 2017, com um trabalho crítico ao presidente Donald Trump. ‘Suas
telas grandes vão bem com tapetes brancos’.
Por outro lado, Katz afirma que foi
uma covardia o recente cancelamento de uma exposição de seu contemporâneo
Philip Guston, que traria uma série de telas do grupo racista Ku Klux Klan,
pintadas no final da década de 1960.
‘Estamos em tempos reacionários.
Cancelar uma exposição por um motivo político, é agir como covardes completos.
Deixem a mostra de pé e digam a quem estiver protestando que vá para o inferno.
Ponham todos eles atrás das grades se ainda fizerem algo’.
Em setembro, museus nos Estados
Unidos, e no Reino Unido, anunciaram o adiamento de uma exposição de Guston,
prevista para o ano que vem, alegando que esperam o momento certo para que a mensagem
do pintor, um ativista antirracismo morto em 1980, ‘possa ser possa ser mais claramente interpretada’.
Katz passou uma parte dos últimos
meses isolado na Pensilvânia, pintando, e diz que a pandemia proporcionou a ele
‘o melhor momento da vida’, já que, como todos os lugares estavam fechados, não
precisava ir a nenhum canto.
Ele acha que o efeito da epidemia
pode ser destruidor sobre a arte, dizendo acreditar que a pintura deve se
tornar muito mais séria a partir de agora, refletindo o momento.
Questionado sobre o pleito americano
do mês que vem, o artista responde com uma frase curta, às gargalhadas. ‘Bem,
tive uma boa notícia hoje’. Poucas horas antes, Trump havia anunciado que
estava infectado com o coronavírus.
MERCADO DE ARTE
Valor das obras
O trabalho de Alex Katz ainda é menos
valorizado em relação a outros artistas de sua geração; o valor mais alto pago
por uma obra sua foi cerca de US$ 4,1 milhões, ou R$ 22,8 milhões, ao passo em que o pioneiro da pop art,
Jasper Johns, teve a pintura de uma bandeira vendida por US$ 36 milhões, ou cerca de R$ 200 milhões
Interesse recente
Um artigo de capa na revista suíça de
art e Parket, em 1989, ajudou a reavivar o interesse pela
obra de Katz, que ganharia diversas mostras na Europa e nos Estados Unidos nas
décadas seguintes
Como se forma um pintor
Segundo Katz, pintar é uma atividade
comunitária, e novos artistas se desenvolvem em contato com outros, não de
maneira isolada, o que faz com que jovens se mudem para Nova York em busca de
referências.
Cenário difícil
Muitos pintores voltam para suas
cidades de origem, diz Katz, com os sonhos destruídos, pois não conseguem
espaço em um mercado que se tornou corporativo e estagnado, dificultando
bastante a entrada de jovens artistas
SOUP TO NUTS - THE SÃO PAULO BIENAL PROJECT
Quando Até 7 de novembro
Onde ropac.net/online_exhibitions
Fonte: João Perassolo | FSP
(JA, Out20)
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