'Santa Rosália Intercedendo pelas
Vítimas da Praga de Palermo' foi uma das primeiras aquisições da instituição
Anthony van Dyck, 1599-1641 -^- Autorretrato, 1613-1614, na Academia de Belas-Artes de Viena |
Ele se veste bem, e sorri com
a confiança da juventude; seu temperamento não é o de alguém que buscaria
abrigo. A data é a primavera de 1624, e Anthony van Dyck, 25, navega rumo ao sul, para a
Sicília, em resposta a um convite para pintar o retrato do vice-rei espanhol.
Ele está se estabelecendo
como retratista internacional dos ricos e famosos. Agora, em Palermo, sente
estar à beira de um grande avanço. O retrato é pintado durante a primavera, mas
chega o desastre.
Em 7 de maio de 1624, Palermo
reporta os primeiros casos de uma praga que mataria cerca de 10% da população
da cidade. De quarentena, o jovem pintor flamengo observa o fechamento do
porto, a superlotação do hospital, e os gemidos dos doentes na rua.
Enquanto a emergência prossegue,
um grupo de franciscanos encontra numa caverna uma pilha de ossos, que podem
ter pertencido a santa Rosália, aristocrata de séculos passados. As relíquias
são carregadas pelas ruas, e a epidemia se abate. Os cidadãos passam a
cultuá-la como a salvadora da cidade.
Van Dyck apanha um
autorretrato meio concluído, e o altera para retratar a protetora, flutuando
sobre a cidade.
O quadro Santa Rosália Intercedendo pelas Vítimas da Praga de Palermo, de Anthony van Dyck, 1599-1641, hoje no acervo do Met, em Nova York |
‘Santa Rosália Intercedendo
pelas Vítimas da Praga de Palermo’, hoje parte do acervo do museu Metropolitan,
de Nova York, foi uma das primeiras aquisições da instituição, comprado em 1870.
Agora, é claro, Rosália está
ela mesma de quarentena, com a intensificação da epidemia do coronavírus. O Met
não antecipa reabrir suas portas antes de julho.
Tive a oportunidade de
visitar o museu na semana passada, entrando pela porta de serviço, para uma
conversa com Max Hollein, o diretor do Met, e Quincy Houghton, diretor
assistente para exposições. Rosália continua no lugar escolhido para ela na
mostra ‘Making the Met’, cuja montagem estava praticamente concluída.
Rosália parece estar
ascendendo com a ajuda de quase uma dúzia de querubins, e feixes de luz
atravessam as nuvens escuras que existem no topo do quadro, e iluminam seu
rosto.
Van Dyck decidiu retratá-la
como uma jovem de cabelos longos, loiros e cacheados, com bochechas coradas, e
olhos arregalados de êxtase. Sob ela, fica o porto de Palermo, e como pano de
fundo, o monte Pellegrino, onde as relíquias foram encontradas.
Parece certo que Van Dyck viu
a primeira dessas procissões, e elas continuam acontecer a cada mês de julho.
O curador Xavier Salomon, que
em 2012 organizou uma mostra sobre a estada siciliana de Van Dyck (e hoje é o curador chefe da Coleção Frick), diz que os governantes da Palermo atingida pela
praga confiaram tanto em intervenções médicas, quanto em intervenções
religiosas, para conter o contágio.
Os moradores oravam aos
restos de Rosália, na catedral da cidade, sim, mas observavam o distanciamento
social. As pessoas só podiam visitar a igreja um dia por semana, em uma escala
determinada por seus endereços.
O jovem Van Dyck, que poderia
ter usado suas conexões com a realeza para escapar, ficou na cidade até o fim
do surto. Encontrou, em meio à pestilência, um tema mais urgente do que os
retratos da realeza que lhe valeriam fama.
Tendo suportado uma
quarentena, criou uma encarnação da beneficência em meio ao caos. Pragas são
aleatórias e implacáveis. São, como estou descobrindo, especialmente
aterrorizantes por não sabermos quanto tempo durarão.
Mas Rosália, flutuando por
sobre a Sicília como um balão, promete que o horror da epidemia terminará, um
dia. Em momentos sombrios, é preciso acreditar -se não em santos, ao menos na
arte.
Ela tem o poder de afirmar a
capacidade humana de invenção, mesmo que a morte esteja rondando.
Rosália estará lá nos
esperando quando ‘Making the Met’ puder começar, e em julho, assim devemos
esperar, nos fará recordar uma Palermo na qual a quarentena acabou.
Por enquanto, o site do Metropolitan pode ajudar. Na Sicília, os fiéis podem orar a Santa
Rosália pelo WhatsApp.
Fonte: Jason Farago | NYT -
FSP
(JA, Abr20)
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