Organizadores recriaram um quarto
retratado pelo americano em 'Western Motel' (1957)
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‘Western Motel’, 1957
No fim do mês passado, por
algumas horas, senti que minha vida estava assumindo as cores e climas de um
quadro de Edward Hopper. Era algo que já tinha me acontecido —nos minutos
fantasmagóricos posteriores à minha chegada a quartos de hotéis desconhecidos, em
cidades desconhecidas.
O que tornou a experiência
estranha foi que eu estava a caminho do Museu de Belas Artes da Virgínia para
ver a magnífica exposição ‘Edward Hopper e o Hotel Americano’ (em cartaz até 23/2).
Cheguei ao local logo depois
da abertura e caminhei na direção da mostra sentindo tanto alívio quanto uma
sensação estranha de familiaridade.
O escritor V.S. Naipaul, que
viajava muito, sabia o que o agradava nos hotéis: ‘A transitoriedade, os
serviços mercenários, a ausência de responsabilidade, o anonimato, o escopo
para a queixa’. Mas, a maioria das pessoas que costumam se hospedar
regularmente em hotéis, os veem, acredito, sob uma luz mais ambivalente.
Edward Hopper certamente o
fazia, e é difícil superestimar a influência que sua visão distintiva sobre os
hotéis teve sobre a imaginação cultural dos Estados Unidos, não apenas nas
artes visuais, mas também nos contos, romances, filmes e televisão.
A exposição de Richmond foi
organizada por Leo Mazow e Sarah Powers, e é a primeira a tomar por tema um
assunto que, percebe-se instintivamente, tinha importância central para a
carreira e a sensibilidade desse grande pintor americano do século 20.
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‘Morning Sun’ |
Ela inclui mais de uma dúzia
de quadros importantes de Hopper, emprestados por diversas instituições, uma
excelente coleção de desenhos e aquarelas e obras de outros artistas
relacionadas a Hopper.
O pintor passou alguns anos
na década de 1920 fazendo ilustrações para as capas de duas revistas do
setor de hotelaria americano. Ele e sua mulher, Jo, também viajavam muito.
Muita coisa nos quadros de
Hopper indica as mudanças no setor hoteleiro americano.
Como Anton Tchekhov, Hopper
era tanto realista quanto um editor impiedoso. Do mesmo modo que nos contos de Tchekhov,
por sob o lustro do realismo, há uma simplicidade bíblica e sucinta, os
interiores de Hopper são desprovidos de detalhes.
Como parte da exposição, os
organizadores recriaram um quarto retratado por Hopper em ‘Western Motel’,
(motel no oeste, de 1957). Os visitantes podem se hospedar no quarto, mas não
consigo imaginar qualquer coisa menos atraente do que acordar em um quarto como
aquele.
Registrar o artifício da arte
límpida de Hopper pode nos libertar para que vejamos a conexão entre os quartos
de hotel e a pintura. Os dois magnetizam o desejo e o anseio por escapar. Os
dois também incorporam certa medida de desapontamento —um quarto de hotel
jamais é um lar, e mesmo o mais belo dos quadros termina sendo, em última
análise, apenas um quadro.
Talvez isso fosse o que mais
agradasse Hopper nos quartos dos hotéis —o fato de que são lugares nos quais a
narrativa se rompe, onde as histórias vão a lugar nenhum, e onde a vida fica no
limbo.
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‘Room in New York’, 1932 |
Minha obra favorita na
exposição é ‘Room in New York’ (quarto em Nova
York, de 1932). Uma mulher de vestido vermelho mexe nas teclas de
um piano, enquanto seu companheiro lê. O corpo dela parece estar se contorcendo
com a antecipação do prazer físico e, ao mesmo tempo, arder com o abandono.
Essa é minha projeção, claro
—mas como posso ter certeza? No entanto, não existe dúvida de que Hopper estava
atento ao sabor da ambivalência em todas as promessas feitas pelos hotéis. Sexo
é a mais óbvia, mas também um fervor físico e mental, que parece derrapar à
beira da estagnação.
As pinturas de Hopper não
funcionam tão bem quando tentam tornar as duas coisas, o sexo e a estagnação,
explícitas na mesma imagem (‘Room in New York’
é uma rara exceção).
Parte do problema é a
dificuldade aparente de Hopper em lidar com a representação do corpo feminino.
O problema mais profundo é que esses corpos parecem lascivos e gratuitos,
enquanto, ao mesmo tempo, o tratamento rígido de Hopper lhes confere uma certa
pudicícia ianque.
Mas eu amo Hopper e consigo
perdoar seus quadros fracos, porque mesmo eles transpiram um amor franco pela
vida comum e vulnerável.
Não vejo Hopper como um
pintor religioso, mas poucos artistas aproveitaram melhor o potencial poético
de raios diagonais de luz colorida.
O que resta a dizer?
Comovido, atônito, e esperando alguma mensagem, deixei o museu e tomei a
rodovia interestadual 95, a caminho de casa.
Fonte: Sebastian Smee | TWP,
FSP
(JA, Dez19)
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