Vermelho
talvez seja a cor mais lembrada pelos que saem da mostra de Michelangelo agora
no Metropolitan. Não um vermelho vivo, mas o tom opaco do giz, algo entre a
carne e o mármore. Seus anjos, homens e monstros tomam forma aos poucos, em
traços vaporosos, nos mais de cem desenhos dessa exposição.
Em grande
parte estudos e esboços, essas obras reunidas até o mês que vem, em Nova York,
revelam os métodos e a arquitetura secreta por trás dos trabalhos de um dos
maiores artistas da história.
Suas figuras
ali mudam de posição e escala -montanhas de músculos sobre a folha de papel que
lembram às vezes deslizamentos de terra quando o artista mudava de ideia sobre
seus contornos e não apagava versões anteriores.
Nesse sentido,
estar diante desses trabalhos é como observar o mestre renascentista em seu ateliê,
uma intimidade reforçada pela escala das obras. Esses pequenos desenhos ficam
quase na penumbra –frágeis demais para aguentar um holofote– e exigem que os
espectadores cheguem muito perto deles.
É esse contato
com os mínimos detalhes que acaba revelando a monumentalidade de sua obra.
Morto aos 88, em 1564, Michelangelo atravessou um momento de transformação na
história da arte em que o desenho e a perspectiva se tornavam os alicerces
inabaláveis de um universo retratado à base da fricção entre a anatomia e a
geometria.
Escultor,
arquiteto e anatomista, Michelangelo trabalhava sobre a folha de papel como
quem construía um mundo real e físico, os traços como linhas mestras de algo
que poderia ter vida própria.
E essa mostra
deslumbrante do Metropolitan revela os momentos em que as figuras deixam de ser
abstrações ou coisas mentais para respirar pela primeira vez –músculo por
músculo, fibra por fibra.
Em sequências
quase cinematográficas, em que um traço se sobrepõe a outro até as linhas
tomarem corpo em esboço atrás de esboço, surgem figuras como o Adão do teto da
Capela Sistina, um jovem arqueiro, os soldados amontoados da batalha de Cascina
e coleções de braços, pernas, mãos, pés e olhos, como um catálogo de corpos
infinitos.
Michelangelo,
que desenhava seus homens começando pelas pernas fortes como colunas de
sustentação de um templo, não escondeu o desejo que sentia pelo corpo
masculino, um encanto por formas e volumes robustos que frequentam sua obra dos
primórdios até o fim.
O número
estonteante desses desenhos reforça essa impressão, mas outra ala belíssima da
mostra, onde estão retratos de alguns dos homens pelos quais Michelangelo se
apaixonou, revela como o artista também se deixou levar por emoções e
sentimentos que vão além de um estudo anatômico cerebral.
Seu retrato do
jovem aristocrata Andrea Quaratesi, que parece olhar para o artista que o
desenha, é de uma força sublime. Em vez de músculos, é um rosto delicado, de
espontaneidade chocante, que domina o quadro.
Toda a dureza
arquitetônica de Michelangelo se dissolve nesses retratos ao mesmo tempo firmes
e reticentes, como se fosse mais fácil desenhar deuses musculosos em torções
dramáticas do que fixar o poder desarmado do olhar desses jovens amantes.
Tanto que em
seus esboços quase nunca aparecem rostos. Enquanto pernas, braços, costas e
peitorais têm contornos nítidos, nunca há uma face que possa dizer seu nome. É
como se Michelangelo estivesse mais à vontade com a pedra do que com a carne
que tentava imitar no mármore.
MICHELANGELO
QUANDO de dom. a qui., 10h às 17h30;
sex. e sáb., 10h às 21h; até 12/2
ONDE Metropolitan, 1.000 5th Ave.,
Nova York; informações em www.metmuseum.org
QUANTO US$ 25 (ou R$ 78,50)
AVALIAÇÃO ótimo
Texto: Silas
Marti
Imagens: ‘Retrato
de Andrea Quaratesi’, esboço concluído em 1534 por Michelangelo
‘Punição
de Tício’
‘Estudos para a Sibila Líbia no Teto da
Capela Sistina’
(JA, Jan18)
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