sábado, 13 de março de 2021

Manifestações Artísticas e o seu Contexto




Em Recife tive o privilégio de conversar com o artista plástico Francisco Brennand (1927-2019). Visitávamos seu Parque das Esculturas; ele apareceu para dar uma voltinha e se deteve algum tempo conosco. Em certo momento do ótimo papo, defendeu Brennand o princípio de que as manifestações artísticas têm contexto próprio e, se possível, devem permanecer no lugar de origem. Ilustrou com um caso:

– Uma vez, eu estava voltando de viagem ao estrangeiro, e o voo pegou uma barbaridade de turbulências. Nenhum sossego! Quando desembarquei e fui pegar a bagagem, vi um sujeito com uma pequena escultura; parecia um ídolo religioso ˗ aliás, bem feio. Foi então que entendi o que tinha acontecido: aquela entidade era de outro lugar, não queria ser levada para longe e passou a viagem inteira protestando...

 


Pena que Boris Johnson não conheça essa história. Em recente entrevista a um jornal ateniense, o Primeiro Ministro britânico, depois de rasgados elogios à civilização grega, descartou a ideia de devolver os frisos do Partenon de Atenas que são exibidos no Museu Britânico.

Alega Johnson que não há razão para restituir, pois eles teriam sido adquiridos legalmente. Só que a história não é tão simples. No início do século 19, quando o material seguiu para Londres, a Grécia pertencia ao Império Turco. Talvez autorizado pelo sultão ˗ mas há controvérsias sobre isso ˗, Lorde Elgin, embaixador inglês em Constantinopla, foi à acrópole de Atenas e mandou arrancar os frisos existentes no Partenon, logo acima do alto das colunas. Quase todos, obras de Fídias, o maior escultor do apogeu de Atenas.

Junto com outras obras de arte, Elgin despachou para sua casa na Inglaterra nada menos que 75 metros de frisos. Poucos anos depois, atolado em dívidas, conseguiu que o governo, através do Museu Britânico, comprasse a muamba. Na época, houve quem se indignasse, como o poeta Byron.

Assim que se aliviarem as restrições da pandemia, as escolas de Londres e arredores voltarão a promover visitas ao Museu Britânico, e seus alunos poderão contemplar os mármores trabalhados por Fídias que aparecem em uma das fotos. Para uma criança grega ter a mesma oportunidade, será preciso que a levem em viagem à Inglaterra.

Desde 1831, ano de sua independência, a Grécia reivindica, sem sucesso, a devolução. A reunificação das esculturas ˗ argumenta ˗ seria necessária para a boa compreensão das obras de arte no contexto daquele templo que um dia elas embelezaram. Para a grega Linda Mendoni, Ministra da Cultura, Lorde Elgin usava táticas ilegítimas, como verdadeiro ‘ladrão em série’ (serial thief).

 


Mas de uns anos para cá, a reivindicação grega se revigorou. A campanha acontece até mesmo em Londres, na entrada do Museu. Em uma das fotos, ali aparecem dois manifestantes, ele fantasiado como Lorde Elgin, ela como escultura de mármore. 

No mundo, há vários precedentes de devoluções. No ano passado, após visita do Primeiro Ministro grego, Macron determinou a devolução de parte dos frisos gregos que o Louvre tinha entre suas mais importantes obras artísticas da Antiguidade. Em retribuição, a Grécia emprestará magníficos trabalhos de bronze que nunca foram exibidos ao público.

Não surpreende que o Museu Britânico resista: os Mármores de Elgin são uma de suas atrações. Mas a eventual devolução não o empobreceria. Museus de porte monumental, como o Britânico, têm enormes e ricos acervos, e o visitante levaria vários dias para percorrê-los inteiros; o que eles expõem é mera fração do que possuem.

Um dado otimista para os gregos, é que sucessivas pesquisas de opinião pública revelam que a maioria da população do Reino Unido aprova a devolução. Quando isso finalmente acontecer, imagino que lá, na outra vida, o grego Fídias e o inglês Byron irão comemorar. Com eles, o pernambucano Brennand. 


 

Fonte:  Antonio Carlos Boa Nova


 

(JA, Mar21)

 

 

 


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