Esfinges, caixões e até
uma múmia estão entre as 140 peças emprestadas ao CCBB-SP pelo Museu Egípcio de
Turim
Estela funerária de Mekimontu 18ª dinastia, 1550-1295 aC
|
Quem entrasse numa pirâmide no Antigo
Egito, mais ou menos 4000 anos atrás, atravessaria um longo
corredor até chegar a uma antessala de paredes decoradas. Numa mesa baixa,
deixaria oferendas: pão, azeite, vinho.
Afinal, o faraó, cuja câmara ficava
depois da antessala, separada por uma porta baixinha, poderia estar com fome
mesmo depois da morte. Se assim fosse, sua alma poderia comer petiscos e
perambular por aí, assumindo a forma de um pássaro com cabeça humana, enquanto
aguardava o julgamento final.
Apesar de estarem dispostos de forma
diferente, todos esses objetos —mais uma múmia— podem ser vistos, entre
réplicas e originais, em ‘Egito Antigo: Do Cotidiano à Eternidade’, que chega
ao CCBB paulista agora.
Finalizada no início deste mês, sua
versão carioca bateu recordes de público, tendo recebido 1,4 milhão de visitantes. É mais do que o surrealista
espanhol Salvador Dalí ou Yayoi Kusama, japonesa fascinada por bolinhas,
obtiveram no mesmo centro cultural no ano de 2014.
Por aqui, os números devem ser mais
discretos, uma vez que o espaço paulistano é cerca de quatro vezes menor do que
o do Rio de Janeiro.
O máximo que o CCBB paulista já recebeu numa exposição foram 381 mil pessoas. É menos, por exemplo, do que o recorde
do Masp, que registrou 402 mil visitantes com ‘Tarsila Popular’
no ano passado.
Modelo de embarcação barqueiros Asyut, período intermediário, 2160-2055 AC, tumba Mentuhotep |
A redução do espaço não significou,
porém, menos peças, afirma o curador holandês Pieter Tjabbes. Assim, também por
aqui estarão cerca de 140 objetos, entre papiros, estelas e
outros. Todos emprestados pelo Museu Egípcio de Turim, na Itália, lar da
segunda maior coleção egiptológica do mundo —com 40 mil artefatos, ele só perde para o Museu do Cairo.
Os itens são expostos em três seções,
que guiam o percurso da mostra. Na primeira, estão utensílios típicos do dia a
dia no antigo Egito. Depois, ficam peças que mostram a relação dos egípcios com
o sagrado, como miniaturas de templos e estatuetas de deuses.
Modelo de sarcófago para shabti de Amennakht, período Ramessida, 1295-1069 aC |
A última parte é dedicada a tradições
funerárias. É ela que abriga uma múmia humana verdadeira, apelidada de Tararó
pelos pesquisadores. Como os hieróglifos não têm representações de vogais, seu
nome é, na verdade, Trr.
Apesar dessa divisão em seções, quase
todos os artefatos reunidos foram descobertos em tumbas. É o caso das paletas
utilizadas para preparar o kohl, usado para delinear os olhos, ou dos vasos de
azeite e de vinho exibidos na primeira parte da mostra.
Isso porque os egípcios achavam que
tudo o que era necessário no dia a dia, também deveria estar à mão na vida eterna.
Daí não só os utensílios e tesouros
serem sepultados com eles, mas também as ilustrações coloridas que enfeitavam
seus caixões e as paredes das pirâmides, mostrando servos, familiares,
alimentos. Elas faziam as vezes dos itens e pessoas reais que representavam.
Diretor do Museu Egípcio em Turim,
Christian Greco explica que há ainda outros motivos para essa origem fúnebre
dos objetos.
Modelo templo nubiano 19ª dinastia, 1292-1190 aC |
Primeiramente, os egípcios só usavam
pedras para os templos, moradas dos deuses, e para as tumbas, moradas da eternidade.
Suas casas eram construídas com materiais menos duráveis.
Além disso, grande parte das
escavações arqueológicas que aconteceram no Egito nos séculos 19 e 20 se concentraram nas necrópoles do
oeste do país, no deserto do Saara. De lá vieram 90% de todas as peças que hoje compõem os acervos de egiptologia dos museus,
diz o pesquisador.
Greco rebate, no entanto, a ideia de
que os egípcios eram obcecados pela morte.
‘Eles eram tão apaixonados pela vida
que faziam de tudo para perpetuá-la’, afirma.
Ao menos, isto é, aqueles que
pertenciam à nobreza. Afinal, eram eles que, junto dos sacerdotes e dos faraós,
podiam bancar os altos custos da mumificação e da construção das pirâmides,
afirma o curador Pieter Tjabbes.
‘Eles eram muito práticos’, diz o
holandês, radicado no Brasil há mais de 30
anos. Em tom de brincadeira, ele compara as muitas estratégias às quais os
egípcios recorriam para assegurar uma eternidade sem sobressaltos a sucessivas
apólices de seguro.
A mumificação era só uma delas. O
processo, que envolvia a retirada dos órgãos internos e a posterior desidratação
do corpo, que buscava evitar sua decomposição. Nem sempre dava certo, vide um
caixão manchado no CCBB.
Outras táticas incluíam esconder
joias debaixo das ataduras e contratar seguranças para proteger a tumba, de
modo a dificultar a ação de possíveis ladrões, ativos desde os tempos dos
faraós, segundo Tjabbes.
Mas de nada adiantava investir nisso
se, na hora do juízo final, diante de Osíris, a alma do morto pesasse mais do
que uma pena de avestruz. Seu destino seria então ser devorado por monstros.
A cena do julgamento é ilustrada num
exemplar do Livro dos Mortos, papiro de cerca de três metros de extensão que
integra a mostra.
A mitologia, tão distante da tradição
judaico-cristã, insinua uma pergunta. Como uma civilização tão diferente da
nossa atraiu tanta gente ao CCBB carioca?
Tjabbes atribui o sucesso a um tripé
que a sua empresa, Art Unlimited, usou em outras mostras bem-sucedidas que
montou no CCBB, como as de Mondrian e de Basquiat.
Além de parcerias com instituições
respeitadas, ele afirma que uma de suas preocupações centrais é conversar com
todo tipo de público. Isso inclui não só planejar um percurso didático, com
textos e legendas claros, como também criar atividades específicas para as
redes sociais.
‘É um esforço se deslocar para uma exposição
sobre a qual você não sabe nada. Se fazemos com que imagens bacanas dela
circulem, já é um primeiro passo para convencer um visitante potencial’,
afirma.
De fato, a oferta de brincadeiras
voltadas para o Instagram é ampla. Com a ajuda de espelhos especiais, os
visitantes podem se ver usando a máscara funerária de Tutancâmon, ou como uma
múmia, se levantando de um sarcófago. Quem não quiser tirar selfie com a
réplica de pirâmide erguida na rotunda do CCBB pode
optar por um cenário com a esfinge de Gizé ao fundo.
Greco, por outro lado, tem uma
resposta mais filosófica sobre o interesse do público.
‘Às vezes, penso que somos tão
fascinados pelo Antigo Egito porque nos perguntamos qual é nosso objetivo na
Terra. E olhando para esses objetos, vemos que os egípcios se faziam a mesma
pergunta’.
DESTAQUES DA MOSTRA
Retorno
Múmia que ficou conhecida como 'Homem de Gelo', e foi batizada de Oetzi em Bolzano |
Uma múmia humana de verdade integra a
exposição. O curador Pieter Tjabbes conta que funcionários do CCBB-RJ não entravam sozinhos na sala em que ela foi exibida.
Deus feio
Entre as estatuetas de deuses, chama
atenção uma de um anão barbudo. Chamado de Bes, ele não era cultuado em
templos, mas nas casas, e resolvia problemas domésticos.
Gato por lebre
Não só os humanos eram mumificados.
Animais também podiam ter seus corpos preservados, e viravam objetos votivos,
como as múmias de gatos na mostra. Tjabbes ressalta, porém, que quando
pesquisadores as analisaram, descobriram que em geral elas não tinham traços de
animais em seu interior. Ou seja: quem as comprou, foi enganado.
Felinos
Estátua em bronze deusa Bastet, período tardio, 722-332 aC |
Outras deusas que ganham destaque são
Sekhmet e Bastet. A primeira tem cabeça de leoa e aparece numa estátua de dois
metros de altura. Já a segunda mistura uma cabeça de gato ao corpo feminino.
EGITO ANTIGO: DO COTIDIANO À ETERNIDADE
Quando
Domingo à segunda, das 9h às 21h. Até 11/5. Abertura nesta quarta (19)
Onde
CCBB-SP, r. Álvares Penteado, 112
Preço
Grátis
PALESTRA COM CHRISTIAN GRECO, DIRETOR DO MUSEU EGÍPCIO DE TURIM
Quando
Quarta (19), às 14h
Onde
CCBB-SP, r. Álvares Penteado, 112
Preço
Grátis; distribuição de senhas uma hora antes do evento
Fonte:
Clara Balbi | FSP
(JA, Fev20)
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