Magnatas
buscam verniz intelectual para suas imagens e ampliar cultura
‘Adeus
Terráqueos!’, pintura realizada por Andrey Plotnov em 1979
|
Ele tinha
uma petroleira, um time de futebol, frota de jatinhos e iates e mansões em
Londres e Nova York.
Mas quando parecia já não saber mais o que fazer com a sua imensa fortuna, Roman Abramovich, como todo bilionário atrás de um verniz de refinamento intelectual, também começou a comprar arte.
Suas escolhas nessa esfera, espelhando a ostentação obscena de seus barcos atracados em praias do Mediterrâneo, não foram menos chamativas. Os valores das pinturas de Francis Bacon e Lucian Freud que arrematou em leilões bateram recordes, somando dezenas de milhões de dólares.
Mas quando parecia já não saber mais o que fazer com a sua imensa fortuna, Roman Abramovich, como todo bilionário atrás de um verniz de refinamento intelectual, também começou a comprar arte.
Suas escolhas nessa esfera, espelhando a ostentação obscena de seus barcos atracados em praias do Mediterrâneo, não foram menos chamativas. Os valores das pinturas de Francis Bacon e Lucian Freud que arrematou em leilões bateram recordes, somando dezenas de milhões de dólares.
Então veio o
próximo passo. Abramovich, dono do Chelsea, um dos empresários mais ricos da
Rússia e homem de confiança do presidente Vladimir Putin, decidiu abrir o seu
próprio museu.
No meio do parque Gorki, no centro da capital russa, o seu Garage é um belo caixote de concreto e plástico translúcido desenhado pelo holandês Rem Koolhaas, um dos maiores astros da arquitetura e um queridinho dos super ricos.
Quando mandou construir esse espaço há uma década, o senhor A, como Abramovich é chamado nos corredores do Kremlin, não sabia, mas inaugurava também uma tendência a ser seguida por uma série de oligarcas russos como ele.
‘Na Rússia, sempre houve grandes fortunas destinadas à filantropia, mas agora os ricos aqui entendem que precisam fazer algo mais ligado à sua personalidade’, diz Anton Belov, diretor do Garage, no café do museu.
‘Eles querem ter os seus nomes associados a algo importante para eles’.
Importam, no caso, nomes como Raymond Pettibon, Ugo Rondinone, Yayoi Kusama, Takashi Murakami, Louise Bourgeois, Juergen Teller e outras estrelas pinçadas do circuito jet-set da arte contemporânea que nunca teriam exposições nos museus públicos do país.
‘Eles queriam mudar sua sociedade, dar um upgrade na cultura visual da Rússia’, diz Belov, falando sobre Abramovich e Dasha Zhukova, a terceira ex-mulher do bilionário, também à frente do Garage.
‘Nosso país ficou fechado durante muitos anos, e agora as pessoas sentem uma fome enorme de cultura. Isso está inspirando os projetos de novos museus bem ambiciosos’.
E caros. Depois que os Abramovich gastaram o equivalente a R$ 105 milhões para construir o seu Garage, fração ínfima de sua fortuna estimada em R$ 31 bilhões, mais um oligarca decidiu flexionar seus músculos financeiros em nome das artes, seguindo uma estratégia muito semelhante.
Leonid Mikhelson, um banqueiro e magnata do gás natural, acaba de escalar o arquiteto italiano Renzo Piano, o mesmo que ergueu o Pompidou em Paris e o Whitney em Nova York, para transformar uma antiga central elétrica à beira do rio Moscou no maior museu privado de arte contemporânea em toda a Rússia.
Suas enormes galerias com teto de vidro e laboratórios e ateliês para artistas mais experimentais vão ficar prontas em dois anos, mas já parecem uma realidade palpável aos olhos dos envolvidos —diretores do museu batizado V-A-C chamam o espaço orçado em quase R$ 250 milhões de uma ‘grande catedral da arte’.
Não é um investimento que possa causar um rombo nas finanças de Mikhelson, que já acumulou R$ 70 bilhões, mas marca uma mudança de comportamento que chega à Rússia depois de fazer a cabeça de bilionários pelo mundo todo.
‘Os russos se parecem muito com os ursos’, diz a italiana Teresa Mavica, chefe do futuro museu, em seu escritório no oitavo andar de um prédio do centro moscovita com vista para as copas das árvores de um parque lá embaixo. ‘Eles dão a impressão de serem devagar, mas de repente eles se despertam e saem correndo’.
O alvo de toda essa corrida, no caso, agora é a arte. Mavica, que vive na Rússia há três décadas, descreve o atual fenômeno dos oligarcas mecenas como a segunda fase de um processo de acumulação de riqueza que começou na era das reformas econômicas da perestroika, ainda nos anos 1980.
‘Os mais ricos investiam as suas fortunas em bens materiais, imóveis, carros, iates, numa tentativa de se ater ao presente’, ela diz.
‘Mas, depois veio o momento em que passaram a pensar em arte como elemento de uma aristocracia intelectual. Este país está redescobrindo o poder do mecenato, uma tradição esquecida’.
Mavica lembra, nesse caso, a história de instituições como o Tretyakov, museu fundado por uma família de ricos comerciantes bem no coração de Moscou no século 19 e que detém algumas obras-primas da vanguarda artística da Rússia.
Mas o país de Putin não podia ser mais distinto da Rússia imperial dos Tretyakov.
Passadas duas revoluções e no auge de uma crise diplomática que opõe Moscou ao resto do Ocidente, Mavica sabe que a arte contemporânea se tornou uma ‘coisa muito perigosa’ numa nação que há tempos já nem disfarça mais o seu combate à liberdade de expressão.
No meio do parque Gorki, no centro da capital russa, o seu Garage é um belo caixote de concreto e plástico translúcido desenhado pelo holandês Rem Koolhaas, um dos maiores astros da arquitetura e um queridinho dos super ricos.
Quando mandou construir esse espaço há uma década, o senhor A, como Abramovich é chamado nos corredores do Kremlin, não sabia, mas inaugurava também uma tendência a ser seguida por uma série de oligarcas russos como ele.
‘Na Rússia, sempre houve grandes fortunas destinadas à filantropia, mas agora os ricos aqui entendem que precisam fazer algo mais ligado à sua personalidade’, diz Anton Belov, diretor do Garage, no café do museu.
‘Eles querem ter os seus nomes associados a algo importante para eles’.
Importam, no caso, nomes como Raymond Pettibon, Ugo Rondinone, Yayoi Kusama, Takashi Murakami, Louise Bourgeois, Juergen Teller e outras estrelas pinçadas do circuito jet-set da arte contemporânea que nunca teriam exposições nos museus públicos do país.
‘Eles queriam mudar sua sociedade, dar um upgrade na cultura visual da Rússia’, diz Belov, falando sobre Abramovich e Dasha Zhukova, a terceira ex-mulher do bilionário, também à frente do Garage.
‘Nosso país ficou fechado durante muitos anos, e agora as pessoas sentem uma fome enorme de cultura. Isso está inspirando os projetos de novos museus bem ambiciosos’.
E caros. Depois que os Abramovich gastaram o equivalente a R$ 105 milhões para construir o seu Garage, fração ínfima de sua fortuna estimada em R$ 31 bilhões, mais um oligarca decidiu flexionar seus músculos financeiros em nome das artes, seguindo uma estratégia muito semelhante.
Leonid Mikhelson, um banqueiro e magnata do gás natural, acaba de escalar o arquiteto italiano Renzo Piano, o mesmo que ergueu o Pompidou em Paris e o Whitney em Nova York, para transformar uma antiga central elétrica à beira do rio Moscou no maior museu privado de arte contemporânea em toda a Rússia.
Suas enormes galerias com teto de vidro e laboratórios e ateliês para artistas mais experimentais vão ficar prontas em dois anos, mas já parecem uma realidade palpável aos olhos dos envolvidos —diretores do museu batizado V-A-C chamam o espaço orçado em quase R$ 250 milhões de uma ‘grande catedral da arte’.
Não é um investimento que possa causar um rombo nas finanças de Mikhelson, que já acumulou R$ 70 bilhões, mas marca uma mudança de comportamento que chega à Rússia depois de fazer a cabeça de bilionários pelo mundo todo.
‘Os russos se parecem muito com os ursos’, diz a italiana Teresa Mavica, chefe do futuro museu, em seu escritório no oitavo andar de um prédio do centro moscovita com vista para as copas das árvores de um parque lá embaixo. ‘Eles dão a impressão de serem devagar, mas de repente eles se despertam e saem correndo’.
O alvo de toda essa corrida, no caso, agora é a arte. Mavica, que vive na Rússia há três décadas, descreve o atual fenômeno dos oligarcas mecenas como a segunda fase de um processo de acumulação de riqueza que começou na era das reformas econômicas da perestroika, ainda nos anos 1980.
‘Os mais ricos investiam as suas fortunas em bens materiais, imóveis, carros, iates, numa tentativa de se ater ao presente’, ela diz.
‘Mas, depois veio o momento em que passaram a pensar em arte como elemento de uma aristocracia intelectual. Este país está redescobrindo o poder do mecenato, uma tradição esquecida’.
Mavica lembra, nesse caso, a história de instituições como o Tretyakov, museu fundado por uma família de ricos comerciantes bem no coração de Moscou no século 19 e que detém algumas obras-primas da vanguarda artística da Rússia.
Mas o país de Putin não podia ser mais distinto da Rússia imperial dos Tretyakov.
Passadas duas revoluções e no auge de uma crise diplomática que opõe Moscou ao resto do Ocidente, Mavica sabe que a arte contemporânea se tornou uma ‘coisa muito perigosa’ numa nação que há tempos já nem disfarça mais o seu combate à liberdade de expressão.
Fachada do Instituto de Arte Realista Russa, em Moscou |
O colecionismo dos oligarcas, aliás, reflete suas alianças políticas. Outro espaço aberto por um bilionário local nos últimos anos é uma ode ao auge da era soviética.
Batizado Instituto de Arte Realista Russa, esse museu que ocupa agora uma antiga fábrica têxtil na capital do país reúne as pérolas de sua propaganda socialista.
É um renascimento do jeito de pensar dos mecenas ricos’, diz Nadezhda Stepanova, diretora do museu criado por Alexey Ananiev, banqueiro e empresário de tecnologia.
‘Museus privados são os pioneiros atuais entre as instituições. Somos mais jovens e rápidos’.
Nesse sentido, a banqueira Natalia Opaleva, do outro lado do espectro político, não perdeu tempo e comprou logo um sobrado com uma sacada amarela no centro de Moscou para mostrar sua coleção de milhares de obras de Anatoly Zverev, um dos chamados artistas não oficiais —ou opositores— dos soviéticos.
Sua instituição chamada AZ, as iniciais de seu principal artista, é a mais recente dessa onda de museus de oligarcas, mas não será a última delas.
Fonte: Silas Marti | FSP
(JA, Jul18)
Nenhum comentário:
Postar um comentário